¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 24, 2005
 
VOTO COMPRADO VALE?
"El que vendrá, bueno te hará" - diz um sinistro provérbio espanhol. Quantos leitores ainda lembram da affaire Collor? E do PC Farias - convenientemente assassinado como convenientemente assassinado foi Celso Daniel? O que muitos esquecem é que PC Farias jamais enfiou a mão no bolso de contribuintes. Extorquia dinheiro de empresários. Até aí, estamos no ramo da economia informal. Se o dono de meu boteco me vende uma cerveja a 50 reais e eu os pago, se não pagar com dinheiro público não houve corrupção. Houve babaquice de minha parte ou a esperança de alguma vantagem escusa. É uma transação entre um bobo e um espertalhão, ou entre dois espertalhões cada um julgando que desse negócio irá auferir alguma vantagem. Um empresário - ou um cliente de bar - pode aceitar ou recusar uma extorsão. O contribuinte não pode. Sua grana é extorquida na fonte.

O governo petista esnobou as negociações no campo privado e enfiou fundo a mão no bolso do contribuinte, sem pudor algum ou piedade. Roubou bilhões do Erário. Ora, quem alimenta o Erário é o contribuinte. Mas quem tem as chaves do cofre é o governo. A cada dia que passa, ouço em mesas de bar, leio em cartas aos jornais, manifestações de saudades dos dias de Collor. O assassinato de PC Farias foi o ponto final de um processo de corrupção. Era preciso calar quem sabia demais. O assassinato de Celso Daniel foi o chute inicial de um projeto de roubalheira. Era preciso calar quem se dispunha a atrapalhar o jogo. É bom ainda lembrar que, na esteira da morte de Celso Daniel, já foram assassinadas seis outras pessoas com alguma vinculação com o crime. Se o governo de Collor terminou com um assassinato, o de Lula começou com sete. E ninguém parece ver isto.

Há duas semanas, uma novela paulistana quase roubou o Ibope das produções do Planalto. Foi a intervenção da Polícia Federal na Daslu, a mais suntuosa loja de supérfluos do país e talvez da América Latina. Shopping preferido de onze entre dez novos ricos paulistanos, que se julgam muito sofisticados pagando cinco ou sete mil reais por trapos comprados a 15 dólares. Vestes com grifes européias, provavelmente confeccionadas por chineses ou vietnamitas em regime de semi-escravidão, pois esta é a mão-de-obra que desde há décadas constitui o suporte da moda européia.

Eliane Tranchesi, proprietária da Daslu, foi acusada de sonegação fiscal e importação fraudulenta. Que sofra as conseqüências legais destes crimes seria o normal em um país decente. Mas enquanto a empresária e seus sócios eram levados para a prisão em uma operação quase bélica, o contrabando, a pirataria e a evasão de divisas correm soltos na Santa Ifigênia ou na 25 de Março, imensas feiras de contravenção a céu aberto. É como se, para combater a desigualdade social, fosse permissível aos pobres transgredir a lei e se proibisse os ricos de fazer o mesmo. Duas ou três vezes por ano, para mostrar serviço, a polícia faz uma razzia nestas ruas, invade duas centenas de apartamentos utilizados como depósito de contrabando e apreende quarenta ou cinqüenta caminhões de muamba. Dia seguinte, o contrabando e a pirataria voltam à rotina. A apreensão de quarenta caminhões de mercadorias não faz sequer mossa no mercado.

Contrabandear, piratear, sonegar podem constituir crimes para os legisladores. Mas para o povo e mesmo para as elites, já passou a constituir uma espécie de direito adquirido. Que me perdoem os tributaristas, mas esta mentalidade não deixa de ter sólidos fundamentos. Por que não sonegar? Para alimentar malas de dinheiros empunhadas por deputados e altos funcionários do governo, no melhor estilo das máfias italiana ou americana? Nos dias em que vivemos, eu diria que sonegar é obrigação cívica. Pelo menos faz mermar o botim destinado a nossos nobres representantes no Congresso e seus sequazes.

"Quando a gente começa a mentir, não pára mais" - disse o presidente da República, em admirável confissão de autoconhecimento. Como diria Agripino Grieco, é a chispa da ferradura quando bate na calçada. Lula começou sua carreira mentindo. Pois o PT, desde o berço, sempre foi uma grande mentira. No fundo, um lobo bolchevique travestido de cordeirinho social-democrata. Lula elegeu-se presidente mentindo, a tal ponto que eleitores e até mesmo os inocentes cordeirinhos sociais-democratas cobram hoje suas mentiras.

Evidentemente, não pode mais parar de mentir. Sua última fanfarronada é a de um ego maior que o próprio Brasil: "Entre os 180 milhões de brasileiros, não há homem ou mulher que tenha moral para me dar lições de ética" - jactou-se Lula na última sexta-feira. Como garante de sua suposta ética, dá o aval de seus progenitores: "Sou filho de pai e mãe analfabetos". E continua seguindo fielmente a tradição - temos de acrescentar. "O único legado que me deixaram é andar de cabeça erguida. Não vai ser a elite brasileira que vai me fazer baixar a cabeça".

Estranha lógica. Como se ter pai e mãe analfabetos fosse título ou motivo de orgulho, ou atestado de honestidade. Como se pudesse ostentar ética um presidente cujo filho recebe de mãos beijadas cinco milhões de reais de uma empresa de telefonia, só porque é filho do dito pai. (Aliás, o Fabinho também pode orgulhar-se de ser bem sucedido, apesar de ter um pai analfabeto). Como se pudesse arrotar ética um presidente que combina uma entrevista de mentirinha em Paris, para afirmar: "o que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente". Ou seja, corrupção faz parte da vida.

Sempre que encurralado, Lula empunha como um mantra sua condição de nordestino nascido na pobreza. Pobre, mas voa alto quando sonha. Uma vez eleito, tratou imediatamente de consumar uma birra inarredável: comprar, para seus turismos inúteis, um avião digno de um sultão do Brunei, ao custo de 56,7 milhões de dólares. E para não macular seu caráter sem jaça, fez o que nem o sultão do Brunei faria: pagou-o antecipadamente.

Ironicamente, entre os 180 milhões de brasileiros, o homem com moral para dar-lhe lições de ética estava ali a seu lado, no Planalto mesmo. Era Roberto Jefferson, deputado venal e réu confesso de um colossal esquema de corrupção. Quando cabe a um deputado venal e réu confesso dar aulas de moralidade ao país, as reservas éticas da nação há muito estão no vermelho.

Quem fará Lula baixar a cabeça não será a tal de elite brasileira - como se deter o poder supremo do país não caracterizasse elite - pois esta elite está nadando em felicidade com os juros mais altos do mundo e os mirabolantes lucros das entidades financeiras. Quem fará o Supremo Apedeuta baixar a cabeça será seu próprio partido. As esquerdas, ao perceber que pelas armas não dominariam o país, apelaram a método mais sutil e eficaz: projetaram tomar o poder pela corrupção. É método mais ameno, já testado e aprovado no México pelo PRI, que não exige o árduo e complicado manejo de armas, nem o desconforto da selva ou da clandestinidade. Nem produz guerrilheiros de três tapas, como José Genoíno: um para falar e dois para calar a boca.

O PT foi com demasiada sede ao pote e chegou até mesmo a usurpar da oposição o dever de fazer oposição. Quem hoje faz oposição ao governo é o próprio partido do governo. À oposição, basta esperar de braços cruzados o desvendamento do saque voraz aos cofres públicos. Não foi nenhum político de oposição que ordenou "Sai rápido daí, Zé!". Foi Roberto Jefferson, presidente de partido aliado do PT. Sua ordem não admitiu tergiversações. Não passaram 48 horas e o Zé se esvanecia como fumaça ao vento. Bastaram quatro palavrinhas para demitir a Eminência Parda do governo. É óbvio que atrás das quatro palavrinhas havia uma mensagem cifrada, cujo sentido, a nós, pobres mortais, não foi dado entender. Só o presidente e seu todo-poderoso ministro o captaram. E o captaram rapidinho.

Políticos começam a balbuciar timidamente a palavra impeachment, mas sem muito entusiasmo. Melhor ver um Lula rastejando em 2006 que jogá-lo agora ao ostracismo. Fala-se em cassar dez ou quinze deputados. Em verdade, deveria ser destituído o Congresso todo. Quando Roberto Jefferson declarou, alto e bom som, que nenhum dos deputados ou senadores presentes declarava corretamente seus gastos de campanhas - "inclusive eu", apressou-se a acrescentar - fez-se um silêncio sepulcral no plenário. Para reforçar sua denúncia, Jefferson apalpou uma maleta, onde estavam as declarações dos gastos eleitorais de cada deputado. Um silêncio divino perpassou o recinto do Congresso Nacional. Foi como se um anjo tivesse passado pelas galerias do sofisticado lupanar.

Como o silêncio também foi garantido aos operosos operadores da corrupção. O Supremo Tribunal Federal, liderado pelo sempre coerente Nelson Jobim (o Meritíssimo sempre está com o poder, esteja o poder com quem estiver) autorizou os depoentes a mentir sem risco nenhum de prisão. O que Lula e o PT não conseguiram - sabotar a CPI - o STF autorizou. Que se pode esperar de uma investigação, quando os investigados levam no bolso um habeas corpus que os autoriza a calar, sonegar informações e mesmo mentir? Habeas turpitudinis, melhor diríamos.

Começam agora a fazer sentido certos movimentos estranhos em Brasília. Por quatro vezes, os congressistas rejeitaram a taxação dos aposentados e pensionistas, por considerá-la afrontosa a princípios jurídicos como o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Mas a carne é fraca. Na quinta vez, o Congresso não resistiu e inclusive obteve do mandalete gaúcho instalado no STF a autorização definitiva para implantar a taxação da velharada indefesa.

Considera-se que pelo menos uma centena de deputados foram comprados. É um punhado considerável de prostitutas, capaz de virar qualquer votação. Pergunta que nenhum jornal ainda fez: voto comprado vale? Venalidade pode criar legislação? Pode derrubar cláusulas pétreas e extinguir direitos adquiridos? Se cassados estes deputados, não seria o caso de cassar também seus votos passados?

Esta é a pergunta que deve ser feita, a meu ver, aos ministros das supremas cortes. Se é que, humanos sendo, ainda não se renderam às tentações do mensalão.