¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 01, 2005
 
  1. DITADURA DO PT ABORTA


    Tenho 58 anos. Ouço prantos de viúvas por onde quer que me vire. São as viúvas do PT, que vêem os ícones de seu partido atolados até o pescoço no lamaçal do mensalão. Algumas viúvas são de minha idade, outras mais velhas e a grande maioria mais novas. Que um jovem, em seus dezoito anos, tenha votado no PT nas últimas eleições, entendo. "Com quem faremos a revolução? - perguntava-se um personagem de Robert Arlt, em Os Lança-Chamas. "Com os jovens - respondia - são estúpidos e entusiastas".

    Que jovens tenham votado no PT, é natural. Nada conhecem de história, não leram os livros que deveriam ter lido, principalmente porque estes livros foram devidamente recusados pelos editores brasileiros. Um jovem de 18 anos não conhece a árvore genealógica do PT. Para ele 64 é data de um passado distante, 35 pertence à pré-história e 17 deve ter ocorrido logo após o Big Bang. Mas que um cidadão de minha idade, um pouco menos ou pouco mais velho que eu, tenha um dia depositado confiança num partido constituído por marxistas, comunistas soviéticos ou maoístas, trotskistas, polpotistas ou castristas, isso sem falar nos cultores de Envers Hodja ou Nicolae Ceaucescu, é vergonha que pede aos céus punição.

    O partido dito dos trabalhadores já demonstra sua arrogância no próprio nome. Só seus membros são trabalhadores. Os membros dos demais partidos, por exclusão, serão burgueses, capitalistas, imperialistas, exploradores do povo, enfim, tudo menos trabalhadores. Ninguém parece ter notado que, embalando o neném recém-nascido em 1980, estavam seus progenitores: intelectuais uspianos e da PUC, a ala esquerda da Igreja Católica, os sedizentes teólogos da libertação e mais uma malta de teóricos urbanos que de operário só queriam distância. Lula, ao ver um cavalo encilhado passando frente a seu rancho, nele montou sem hesitar um segundo.

    O marxismo transformara o operário em um salvador da humanidade, um Cristo proletário, e Moscou era a Nova Jerusalém. Os intelectuais celerados que conceberam o PT souberam explorar durante o século passado todo esta mística e conseguiram encontrar um operário para entronizar como Messias, Luís Ignácio Lula da Silva. Filho de uma cópula espúria entre padres e acadêmicos, o metalúrgico dava legitimidade ao Partido dos Operários. Se quisermos situar os fatores de subdesenvolvimento mental do Brasil, vamos encontrá-los na Igreja Católica e na universidade.

    Antes mesmo de o PT existir, eu escrevia contra o PT. Explico. Durante os anos 70, em minhas crônicas diárias na extinta Folha da Manhã, de Porto Alegre, eu escrevia sobre companheiros de geração que hoje são ilustres próceres do partido governante. Pelo menos dois atuais ministros foram meus colegas de faculdade. (Sobre Tarso Hertz Genro - do qual publiquei seus primeiros poemas no Diário de Notícias - o que escrevi contra daria uma pequena antologia). Eram em geral marxistas, maoístas, trotskistas e não foi surpresa reencontrá-los no PT, que só nasce em 1980. Quando vi o tipo de gente que o novo partido reunia, só pude deduzir que eram os velhos bolcheviques e compagnons de route com outro rótulo. O socialismo soviético já começava a esboroar-se no mundo todo, mas renascia neste país incrível com nome novo.

    Em uma das crônicas que escrevi na época, dizia ter lido um texto de Tarso e não ter entendido. Que, no entanto, lia Platão e conseguia entender tudo. Devia ser, deduzi então, porque Platão era Platão e Tarso era Genro. Semana passada, um político conferiu razão à minha crônica de três décadas atrás. "Ganha um mensalão quem entender um texto de Tarso Genro", - disse este senhor cujo nome me escapa. Tarso, doublé de judeu e maoísta, pelo que eu saiba jamais negou seu maoísmo. Este advogado resvaladiço, que esconde atrás de frases dúbias sua vocação totalitária, surge agora como esperança de um PT autêntico, como se autênticos petistas não fossem salafrários como Zé Dirceu, Genoíno, Delúbio et caterva. A imprensa toda parece ter esquecido que Tarso era o vice de Olívio Dutra, quando este era prefeito de Porto Alegre. Dutra foi eleito governador financiado pelo jogo do bicho. Ou jogo do bicho não contamina companheiros de partido e antigos vices de chapa?

    Ora, naqueles anos, alguém de minha idade, só podia ser comunista por duas motivações: falta de informação ou desejo de poder. Falta de informação os teóricos petistas não tinham. Eram em geral universitários, viajavam e liam muito e uma das modas da época eram os círculos de leitura de Marx. O must da idade era ler Marx no original, para bem interpretrar o "Velho". Mas a affaire Kravchenko - que pusera uma pá de cal na política soviética - ocorrera em 49. E depois de 49 não mais era permissível a um intelectual bem informado ser marxista. Logo, os revolucionários tupiniquins tinham perfeita consciência do que se passava no mundo socialista. Mas confiavam na ignorância generalizada do brasileiro médio para conquistar o poder, empunhando uma doutrina totalitária que ainda tinha - para o grande público desinformado - laivos de humanismo.

    A aposta deu certo. Desde há muito afirmo que os grandes derrotados na Revolução de 64 foram os militares. Impediram a emergência de uma republiqueta socialista no Brasil e hoje passam por vilões. Os velhos bolches são tratados - e aposentados - como heróis. Conseguiram inclusive criar um novo tipo de herói, insólito na História, o herói regiamente subsidiado pelos cofres públicos. Herói inclusive retroativo: as gordas aposentadorias retroagiram décadas. Os velhos bolches aprenderam que, em um país das dimensões territoriais do Brasil, a conquista pela armas era inviável. Adotaram então uma estratégia mais sutil, a do Partido Revolucionário Mexicano, que instituiu uma ditadura travestida de democracia, cujo instrumento não era o fuzil, mas o dinheiro.

    A ditadura do PRI teve a mesma duração da ditadura soviética, sete décadas. O PT estava implantando serenamente a sua, sem que a maioria inculta que constituí este país percebesse. Foi quando surgiu um estraga-prazeres que, ao embolsar míseros três mil reais, jogou a responsabilidade toda da corrupção no colo de um deputado corrupto. O deputado, ao que tudo indica, detestava a solidão. E partilhou sua corrupção com o Congresso todo. A corrente depende de seu elo mais fraco, como diria Mao Tse Tung, o guru do atual presidente do PT. E o belo projeto de ditadura do PT, que Zé Dirceu já estimava modestamente em doze anos, veio por águas abaixo.

    Que um jovem, nas últimas eleições, tenha se enganado com o PT, entende-se - repito. Que cidadãos de 60 ou 70 anos tenham apoiado esse rebotalho do pior que o século XIX produziu, é mais difícil de entender-se. Ou eram canalhas que tinham perfeita consciência do que faziam e desta ação esperavam privilégios ou dividendos. Ou analfabetos em termos de História, como o presidente que elegeram.

    Não há terceira hipótese.