¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, setembro 13, 2005
 
SEVERINO E GABEIRA:
O MESMO COMBATE
Quinta-feira passada, tive de submeter-me a uma rápida cirurgia. Coisas da vida. Seja como for, foi gratificante. Ao acordar da anestesia, vejo na televisão que o Ministério Público havia pedido a prisão preventiva de Paulo Maluf e do Flavinho Maluf. Não pode ser, pensei com meus botões, deve ser efeito alucinatório da anestesia. Belisquei-me, examinei o quarto do hospital, vi a bolsa pingando soro em meu pulso, tive de convencer-me de que não era alucinação. Alvíssaras! Até que um dia.

Manhã seguinte, um despertar divino. Acordei cedo, liguei no noticiário da Globo. Severino Cavalcanti estava praticamente degolado. Confesso jamais ter tido tantas alegrias em uma noite de hospital. O noticiário parece ter tido em mim um efeito terapêutico, dispensei até a cadeira de rodas que me ofereciam. Saí em pé e contente com o mundo. Sábado, uma da madrugada, já em casa, vejo Maluf entrando no cárcere. Não era alucinação. Sábado pela manhã, Flavinho algemado.

Se Paulo Maluf é rapace de altos vôos, Severino Cavalcanti é um batedor de carteiras egresso da caatinga, e não é o primeiro com que o agreste nos brinda. Maluf só se interessa por centenas de milhões de dólares. Para o achacador do agreste, um mensalinho de dez mil reais já serve. Triste país este nosso, que tem um analfabeto como presidente da nação e um reles batedor de carteiras como presidente da Câmara. Mais espantoso ainda é ver este pickpocket nos representando em Nova York, na 2ª Conferência Mundial da União Interparlamentar. Lula tem falado em separar o joio do trigo, e o tem feito com rigor. O trigo, ele joga no lixo. E o joio, ele o condecora com a comenda da Ordem do Rio Branco. Enquanto o novel comendador preparava seu discurso em Nova York, espocavam no Brasil as notícias de seus mesquinhos achaques. "Tão alegre que fumo, tão triste que vortemo", terá pensado dona Amélia.

Há muito venho afirmando que a eleição de Lula gerou um efeito perverso no moral do país. Se o Supremo Magistrado da nação pode ser um apedeuta, nada obsta que o presidente da Câmara seja um batedor de carteiras. Há uma desmoralização crescente dos três poderes da nação, Judiciário inclusive, quando o critério de nomeação de magistrados para o Supremo é sua docilidade às veleidades do insigne analfabeto. Severino foi eleito presidente do colegiado-mór do país por nada menos de 300 votos. Raposa velha, soube como agradar estes 300 pares. Começou defendendo o nepotismo e um aumento substancial para os parlamentares. Deu Severino na cabeça.

Agonizante Severino, Lula e o PT reivindicam para si a presidência da Câmara. Com que moral? A de cuecas com dólares? Lula gosta muito de jactar-se de que em seu governo se fez mais pelo Brasil do que nos últimos 500 anos de Brasil. Caiu na armadilha da rede Globo, que vendeu a potoca de que o Brasil tem 500 anos. Enfim, concedamos vênia ao Supremo Apedeuta. Admitamos, para efeitos de argumentação, que o Brasil tenha 500 anos. Que autoridade moral tem então o partido que mais roubou nestes 500 anos de Brasil para reivindicar o que quer que seja? O máximo que o bom senso permite ao PT é reivindicar pelo menos prisão especial para seus asseclas, já que a maioria dos bandoleiros é graduada. E mais não concedemos. Um partido que por seus desmandos já deveria ter tido seu registro cassado, permite-se a petulância de pretender ocupar a presidência da Câmara. O PT perdeu a face, mas preservou sua arrogância.

Fala-se muito em ética e em Conselho de Ética nestes dias que correm. É mais uma tentativa de jogar o lixo para baixo do tapete. Se os senhores deputados ferem preceitos éticos, são passíveis de brandas penas disciplinares. Mas a ética pouco ou nada nos importa. O que se exige é que estes senhores não firam as leis, elaboradas pela Casa que representam. Não são deslizes éticos que estão em jogo, como pretende o PT. O que se discute é a infração das leis. Isto é, o cometimento de crimes. Ninguém vai para cadeia por deslizes éticos. O que se impõe hoje neste país é cadeia para políticos criminosos. No PT, dirigentes e militantes estão cheios de papas na língua. Falam em ?erros?, ?desvios?. Da palavra crime, fogem como o diabo da cruz.

Fernando Gabeira, ex-petista penitente, sequer esperou notícias dos achaques de Severino para pedir sua cabeça. Antes mesmo da revelação do mensalinho, de dedo em riste, acusava o cabra da peste: "V.Excia. está em contradição com o Brasil, sua presença é um desastre para o Brasil. Ou V. Excia. fica calado, ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo". A fúria do quixotesco Gabeira se devia ao fato de Severino pedir penas leves - uma admoestação, talvez - para os 18 deputados ameaçados de cassação por receberem propina do PT, o partido que Gabeira ajudou a erguer. Severino queria salvar, antes de tudo, o capo mafioso por excelência, o ex-ministro Zé Dirceu. Logo este mesmo Zé Dirceu, que o ex-terrorista Gabeira salvou da prisão em 1969, seqüestrando o embaixador americano Charles Burke Elbrick. Ora, Severino, 36 anos depois, estava apenas dando continuidade ao magnânimo gesto de Gabeira. Severino poderia ter apontado o dedo para Gabeira e dito: "V.Excia. esteve em contradição com o Brasil, sua presença foi um desastre para o Brasil". Não estaria proferindo nenhum despropósito.

Gabeira capitaliza simpatias com seus sucessivos mea-culpas, ora se arrependendo da guerrilha, ora se arrependendo de sua participação na construção do partido mais corrupto do Ocidente. Há uma semana, em entrevista para a Folha de São Paulo, dizia estar vivendo, em seus 64 anos, uma crise existencial. Verdade que é mais honesto reconhecer o erro do que tentar justificá-lo, como faz Zé Dirceu. Mas 64, convenhamos, não é mais idade para viver crises existenciais. Quando Gabeira chegará à idade adulta? Aos 90, e depois morrer?

Em fusos horários diversos, Severino e Gabeira combateram o mesmo combate. Se Gabeira tirou Zé Dirceu do cárcere - onde melhor seria, para o bem do país, ter ficado - Severino tenta salvar do naufrágio o mesmo Zé Dirceu, hoje no poder por obra e graça de Gabeira. Gabeira salvou o terrorista que queria afundar o país pelas armas. Severino tenta salvar o mesmo ex-terrorista, que agora - dado o fracasso da luta armada - quis afundar o país através de método mais sutil, a corrupção.

Se naquela sessão na Câmara alguém viu um deputado destemido desejando moralizar as práticas políticas do Congresso, apontando de dedo um coroné do agreste desprovido de qualquer escrúpulo, este alguém se enganou. O que se viu, naquele momento, foi o roto dedurando o descosido.