¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, outubro 22, 2005
 
REAÇÕES (9)





UM GRAVE SINAL DE IMATURIDADE INTELECTUAL


Hilaire Belloc costumava dizer que, para atacar a Igreja, todos pretextos são bons: uns a criticarão por julgar que possui riquezas em excesso, outros, por não lhes parecer ter riquezas o bastante; uns reclamam a severidade de sua moral, enquanto, para outros, o problema é sua moral não ser severa o suficiente; há os que dizem que ela reduz tudo à lógica e à razão, e os que dizem que reduz tudo à emoção:

"The Church has been presented, and by one set of Her enemies, as based upon the ignorance and folly of Her members?they were either of weak intellect or drawn from the least instructed classes. By another set of enemies She has been ridiculed as teaching a vainly subtle philosophy, splitting hairs, and so systematizing Her instruction that it needs a trained intelligence to deal with Her theology as a special subject." (Hilaire Belloc, Survival and New Arrivals)

Ora, amiúde, por baixo destes pretextos, não há senão uma terrível ignorância da mesma doutrina e instituição que se pretende criticar. É o caso de Janer Cristaldo que, num desrespeitoso artigo recém publicado no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara, ataca a Igreja afirmando, entre outras tantas coisas, que esta condena o "prazer sexual" e que demonstra autoritarismo ao condenar práticas como o aborto e o divórcio nas diversas nações européias.

Demonstra, quanto ao primeiro, ignorar a posição da igreja sobre a licitude dos prazeres sexuais, expressa já por S. Agostinho em De Bono conjugali, cap. XXV, "Respondemos suficientemente aos heréticos, se contudo compreenderem não ser pecado o ato que não colide com a natureza, nem contra os costumes, nem contra a lei", e convenientemente explicada por S. Tomás de Aquino em uma questão da Suma Teológica (IIa IIae q. 153, a. 2), de cujo RESPONDEO reproduzo o início:

"É pecado o ato humano contrário à ordem da razão. Ora, a ordem racional exige que tudo se ordene convenientemente para o fim. Logo, não há pecado quando racionalmente o homem usa de certas coisas, de acordo com o fim para o qual existem, de modo e em ordem convenientes, contanto que esse fim seja verdadeiramente bom. Ora, como é um verdadeiro bem conservar a natureza corpórea de cada indivíduo, assim também é um bem excelente conservar-se a natureza da espécie humana".

Se não parecer suficiente, recomendo a Ia IIae, qq. 31-34 da Suma, que formam todo um tratado sobre a questão dos prazeres. Sobretudo, recomendo a q. 34, a. 1, em que, após concordar com o velho Aristóteles, para quem "o prazer aperfeiçoa a operação", ensina S. Tomás: "...é bom o prazer que leva o apetite superior ou o inferior a repousar no que convém à razão; e é mau o que o leva a repousar no que discorda da razão e da lei de Deus." E para que não lhe pareça que são estas opiniões isoladas, remeto a S. Afonso de Ligório, o principal nome em teologia moral na Igreja, no que diz respeito à questão dos prazeres. Quanto à questão da licitude do sexo na doutrina da Igreja, por evidente, deixo de comentar.

Quanto ao segundo ponto, Cristaldo dá nova demonstração de ignorância: não é apenas por se opor aos preceitos da Igreja que Roma condena e tem de condenar aborto e divórcio, mas por serem também, um e outro, contrários à "ordem da razão" - independente da religião a que adira cada nação, independente de fazerem ou não profissão de laicismo, o mal moral será sempre um mal moral: a verdade não está sujeita nem à geografia nem à história e, por isso, tem a Igreja, já não digo o direito, mas o dever de clamar, ainda que todos governos europeus façam ouvidos moucos, Clama ne cesses, quasi tuba (Is 58, 1).

Essas duas questões são ilustrativas: com um autor tão equivocado, não se pode ingressar em uma discussão honesta. A ignorância em matéria cientifica, desqualifica para o debate científico; a ignorância filosófica, desqualifica para o debate filosófico. Infelizmente, no Brasil, a ignorância em matéria religiosa não parece deter os detratores da religião.

***

O sr. L. Valentin, que, grosseiramente, respondeu ao Protesto escrito pelo monge beneditino ao artigo supracitado de Janer Cristaldo (trata-se da "Reação 8"), já constitui um caso diferente: não se limita, em suas críticas, às habituais demonstrações de ignorância da doutrina e instituição que pretende criticar - e a qual, segundo o próprio, aderiu fervoroso durante 30 anos. Não, Valentin a crítica desde pontos simetricamente opostos: é contraditório. Pouco se lhe dá se um ataque anula o outro ou se um golpe desfaz o que o outro fez. - Não, para o autor, basta espernear.

Já no primeiro parágrafo denuncia a intolerância do monge. Não me atenho aqui ao fato do autor parecer confundir a tolerância civil ou política à chamada tolerância de pessoa, mas à incoerência de, já no parágrafo imediatamente seguinte, afirmar que "não discute com crentes de cabeça vazia" e, no terceiro, que Cristo teve "merecida morte". Tão rápido jogo de contradições não são mais que indícios de uma mente confusa e arrogante.

No parágrafo segundo, diz que não pretende defender Cristaldo, apenas para fazê-lo, ponto-a-ponto, nos parágrafos seguintes. No terceiro, ataca desrespeitoso pontos da vida e pregação de N. S. Jesus Cristo, que conheceu pelos Evangelhos, para questionar a historicidade dos mesmos apenas alguns parágrafos adiante. E por aí vai. Ora, o homem, além de contraditório, é pródigo em afirmações inacreditáveis:

No sexto parágrafo, perde todo senso das proporções, afirma estar em boa companhia e dá como exemplo... o Imperador Juliano (!).

Ora, meu caro, se a questão é companhia, tenha certeza que estamos em melhor: a superioridade moral e intelectual do Catolicismo será, a todos ateus, eternamente, o motivo maior de escarmento. Aponte-me os seus heróis e mártires, e nomearei muitos mais; aponte-me os seus sábios, seus artistas, seus filósofos - há melhores, muito melhores, entre os nossos. Quis negat?

Valentin lê mal, e por não ter compreendido o texto mesmo que pretende refutar, gasta todo um parágrafo para dizer que a cruz era sim instrumento de suplício no Império romano, o que é exatamente o que o monge havia afirmado.

E demonstra ignorância quando fala das Escrituras, ataca Pio XII ou lembra a Inquisição. Quanto ao último, repete toda sorte de calúnias do fabulário contemporâneo:

- "Foi ela quem calou a ciência. Foi ela quem instituiu o Index Librorum Prohibitorum.

Deixo a resposta ao prof. Olavo de Carvalho, que ambos devem conhecer, por ser o editor do Jornal eletrônico onde escreve Cristaldo:

"Basta examinar o Index Librorum Prohibitorum para verificar que nele não consta nenhuma das obras de Copérnico, Kepler, Newton, Descartes, Galileu, Bacon, Harvey e tutti quanti. A Inquisição examinava apenas livros de interesse teológicos direto, que nada poderiam acrescentar ao desenvolvimento da ciência moderna" (Olavo de Carvalho, Jardim das Aflições, pág. 42)

- "O papa Gregório IX instituiu oficialmente a Inquisição em 1232. Em 1252, o papa Inocêncio IV por sua bula Ad Extirpanda (nome bem sugestivo) autorizava a tortura "para quebrar a resistência dos hereges".

O nome da bula deve ser realmente bem sugestivo para quem não conhece nem latim, nem a história da Inquisição:
"A tortura era considerada um procedimento legítimo e praticada em toda parte desde a Grécia antiga. Durante quase toda a Idade Média, caiu em desuso, sendo reintroduzida na justiça civil graças à redescoberta - tipicamente renascentista - dos textos das antigas leis romanas. O que a Inquisição fez foi seguir o uso então vigente na justiça civil, mas limitando-o severamente, não permitindo que o acusado fosse torturado mais de uma vez e proibindo ferimentos sangrentos (v. Testas, op. cit). Deve-se portanto à Inquisição o primeiro passo efetivo que se deu contra o uso da tortura, o que deveria ser considerado um marco na história dos direitos humanos" (Olavo de Carvalho, Jardim das Aflições, pág. 43).

É interessante que, após tudo isso, o sr. Valentin ainda ache que somos nós que temos "preguiça de se instruir".

***

Não é preciso ir além: o texto é pueril, os ataques, infantis. Destacam-se - se é que se destacam - apenas pela grosseria. Valem como amostra do péssimo nível intelectual dos chamados "ateus militantes" - o próprio termo, contraditório, já denota o absurdo de sua posição. Encerro citando, mais uma vez, Olavo de Carvalho:

"A história do ateísmo militante é uma sucessão prodigiosa de intrujices. É que o ateísmo, em geral, é uma opção de juventude, prévia a qualquer consideração racional do assunto, e uma vez tomada não lhe resta senão racionalizar-se a posteriori mediante artifícios que serão mais ou menos engenhosos conforme a aptidão e a demanda pessoal de argumentos. Não se conhece um único caso célebre de pensador que tenha chegado ao ateísmo na idade madura, por força de profundas reflexões e por motivos intelectuais relevantes. Ademais, toda fé religiosa coexiste, quase que por definição, com as dúvidas e as crises, ao passo que o ateísmo militante tem sempre a típica rigidez cega das crenças de adolescente. O ateísmo militante é, por si, um grave sinal de imaturidade intelectual." (Jardim das Aflições, pág. 127)

Não podemos considerar, quer o artigo do Cristaldo, quer a réplica de Valentin, um perfeito exemplo da intrujice dos ateus?

(Alexandre Bastos)