¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, janeiro 02, 2006
 
O CÃO DO VENENCIA



Na Calle del Viejo Idiota, em Madri, há um bar peculiaríssimo, o Venencia. Tem um balcão comprido, apenas três ou quatro mesas e só serve jerez: fino, oloroso, manzanilla e palo cortado. Tem as paredes e teto forrado por uma espécie de picumã, que terá décadas de idade. No dia em que for limpo, perderá todo seu charme. Desde que conheço Madri, e isso já faz mais de trinta anos, sempre me hospedo no hotel Inglés, que fica em frente ao Venencia. É uma forma de chegar com segurança em casa após as últimas copas da noite.

Não procure no mapa a Calle del Viejo Idiota. Em verdade, chama-se Calle Echegaray, em homenagem José Echegaray y Eizaguirre, ministro espanhol da Fazenda e péssimo escritor de teatro, que foi prêmio Nobel da Literatura em 1904. O escritor galego Ramón del Valle-Inclán, que vivia na Echegaray, não o suportava. Dava como endereço Calle del Viejo Idiota. Consta que sua correspondência sempre chegava ao destino.

No Venencia, na Calle del Viejo Idiota, eu terminava minhas noites madrilenhas com ela. Baixinha, ela escorava os cotovelos numa ponta do balcão e deixava o mundo rodar. Que rodasse, para chegar ao hotel bastava atravessar a rua. Nos últimos anos, surgiu no Venencia um cachorro preto, de pêlos desgrenhados e olhar triste. Com um gesto pidão, interpelava os clientes e ficava à espera de uma azeitona ou de um afago. Nos últimos anos, lá pelo terceiro ou quarto jerez, ela já falava espanhol com o cachorro.

Reencontrei-o neste último dezembro, sempre desgrenhado e com o mesmo olhar patético. Hoje, ela faria 60 anos, cheia de juventude e alegria de viver. Não está mais aqui. O cachorro preto continua lá.