¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, julho 28, 2006
 
DA VENTURA DE SER TRADUTOR NO JAPÃO



Leio no Estadão:

Tradutora de Potter acusada de fraude

A tradutora ao japonês da série de livros Harry Potter, Yuko Matsuoka, de 62 anos, foi acusada de fraude fiscal pelas autoridades japonesas. Yuko não declarou 3.500 milhões de yenes (US$ 29,6 milhões) de rendimentos durante três anos, entre 2002 e 2004.


Como tradutor neste país de Terceiro Mundo, fico perplexo. Um tradutor literário, no Brasil, ganha pouco mais que um digitador. Traduz mais por paixão que por dinheiro. 29 milhões de dólares em três anos está além da imaginação de um escritor brasileiro. Imagine de um tradutor!

Traduzi em torno de vinte livros, do sueco, espanhol e francês. Nunca me moveu o pagamento, que sempre foi irrisório. Traduzir é penetrar a fundo em uma língua, em uma cultura, e isto foi o que sempre me moveu. Jamais traduzi obras pelas quais não me fascinasse. Traduzir foi então prazeroso.

Do sueco, traduzi Karin Boye e Maria Gripe. Literatura requintada. Como no Brasil pouco ou nenhum interesse há por literatura requintada, não rendeu nem segunda edição. Kalocaína, de Karin Boye, é um dos mais belos momentos da literatura universal. Quem sabe hoje quem é Karin Boye? Ninguém.

Do sueco, traduzi ainda a Saga do Grande Computador, de Olof Johanesson, pseudônimo de Hannes Alfvén, prêmio Nobel de Física em 1970. Soberba antecipação destes nossos dias internéticos, o livro foi recusado por mais de 15 editores. Mas você pode encontrá-lo hoje, como e-book, em http://www.ebooksbrasil.com.

Da América Latina, traduzi Sábato (quase toda sua obra), Borges, Bioy Casares, José Donoso e o fantástico Roberto Arlt. Da Espanha, Camilo José Cela e sua obra-prima, A Família de Pascual Duarte. Quando propus a tradução de Cela, editor algum imaginava que logo adiante ele seria Prêmio Nobel. Do francês, traduzi Michel Déon e Michel Tournier. Em suma, traduzi a melhor literatura contemporânea. Creio que minha faxineira ganha mais por hora do que ganhei como tradutor.

Apenas constato, não me queixo. Traduzir um bom livro é uma aventura intelectual, e estas aventuras eu as vivi com sumo prazer. Jamais traduziria Harry Potter. Traduziria até mesmo Hitler, dada sua importância histórica. Mas jamais best-sellers produzidos para satisfazer os baixos instintos das massas.

Mas é interessante ser tradutor no Japão. Resta saber se os tradutores de boa literatura são também tão bem remunerados.