¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 03, 2006
 
FOLHA ESPALHA TERROR



Higienópolis, onde moro, não é exatamente um bairro. É mais um estado de espírito, eu diria. Administrativamente, o bairro não existe. O que existe é Santa Cecília. Ocorre que os paulistanos têm um acurado senso de grife. Quando um bairro decai, sua parte nobre adota novo nome. O mesmo ocorreu com Itaquera. Com a decadência do bairro, a parte nobre passou a chamar-se Anália Franco. Você não encontra Anália Franco nos mapas administrativos da cidade. Mas está nos anúncios de todos os grandes empreendimentos imobiliários.

Para se ter uma idéia do que está em jogo: se você se interessa por um apartamento em Santa Cecília, o vendedor ou locador invariavelmente o anunciará como estando situado em Higienópolis. Valoriza mais. Tentando pechinchar, você insistirá que o apartamento está em Santa Cecília. Quando chegar a sua vez de vendê-lo, você jurará de pés juntos que fica em Higienópolis.

A Folha de São Paulo mancheteou hoje:

PM prende acusado de esfaquear pedestres em Higienópolis

Foi preso na madrugada desta quinta-feira Afonso Benedito Severiano Jr., de 19 anos, acusado de esfaquear pelo menos três e matar uma pessoa com uma faca de cozinha em Higienópolis, centro de São Paulo. Três dos crimes aconteceram no último fim de semana de julho. Em seu depoimento, Afonso confessa ter esfaqueado aproximadamente 20 pessoas.
O caso mais grave envolveu uma jovem que levou várias facadas no abdome no dia 28 de julho, na Avenida Higienópolis, e morreu antes de entrar na sala de cirurgia do Hospital Santa Izabel. As outras estão internadas - uma delas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Afonso foi preso com uma faca de cozinha manchada de sangue em um dos bolsos da calça. Uma testemunha que teria visto Afonso atacando um homem no dia 27 de julho acionou a Polícia Militar. A polícia acredita que ele seja o maníaco que vinha atacando homens e mulheres no bairro de Higienópolis.


Ora, um dos ataques ocorreu na Avenida Higienópolis, que percorre tanto Santa Cecília como o que se convencionou chamar de Higienópolis. Mas nas proximidades da universidade Mackenzie, que fica em Santa Cecília. Os demais ataques ocorreram nas ruas Cesário Mota Júnior e Dona Veridiana, ambas em Santa Cecília. Mas o jornal insiste, no título, que os pedestres eram esfaqueados em Higienópolis.

A quem serve a desinformação? Aos alarmistas que pretendem que São Paulo está em chamas. Se até em Higienópolis, bairro nobre, há assassinos à solta nas ruas, a cidade está totalmente entregue à violência.

Ora, não é bem assim. Higienópolis é um bairro fundamentalmente judeu. (Há quem fale em Hidischienópolis). Em função disto, as ruas estão repletas de seguranças. Não é bairro propício ao crime. Já Santa Cecília - e particularmente a zona onde o criminoso atuava - é zona limítrofe à prostituição e aos redutos de travestis. A Cesário Mota Júnior, onde ocorreu um dos esfaqueamentos, é certamente a rua que reúne o maior número de travestis em São Paulo, a ponto de provocar congestionamentos de carros à noite, cujos ocupantes querem dar uma olhadela nas deusas do pedaço.

Bem entendido, São Paulo não é nenhuma ilha de paz e tranqüilidade. Mas está longe ainda de Bagdá. Apesar de um certo jornalismo tentar situá-la no Oriente Médio.