¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 14, 2006
 
PCC E PT, MESMO COMBATE



Meus temores se confirmaram. O domingo foi calmo em São Paulo. Nenhum ônibus queimado, nada de molotovs em bancos ou prédios públicos, nenhum atentado a policiais. Não imagine o leitor que estou desejando domingos sangrentos para a cidade. Nada disso. Ocorre que, nesta situação de falência do Estado, o pior que poderia ter acontecido era um domingo sem violência. Isto significa que o pacto entre Estado e criminosos foi consagrado. Quando o Ministério Público Estadual pediu à Justiça a não-liberação dos apenados no Dia dos Pais, mais de cem atentados perturbaram a cidade. A Justiça entendeu corretamente a mensagem: liberou todo mundo. O MPE tentou ainda impedir pelo menos a liberação dos criminosos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). A Justiça foi além em sua benevolência. Chegou a oferecer tratamento privilegiado em São José do Rio Preto a cinco membros da guerrilha, transportando-os em viaturas policiais e com escolta até o aeroporto. Os cinco clientes VIP do sistema penitenciário sequer se preocuparam em comprar passagens de volta. O PCC agora já sabe como obter boas respostas às suas reivindicações. Basta incendiar algumas dezenas de ônibus, jogar algumas bombas cá e lá e sentar-se à espera dos resultados.

Antes do Dia dos Pais, o governador Cláudio Lembro pediu bom senso aos criminosos, como se tal virtude pudesse existir entre traficantes, assassinos e seqüestradores. "Estou convicto de que eles terão bom senso de se portarem de acordo com a data e de acordo com o momento". Disse ainda esperar que os detentos pertencentes ao PCC tivessem compreensão com a sociedade e preservassem a integridade de cada um. "Acredito no ser humano. Se não acreditasse, eu estaria mal. Como acredito no ser humano, acredito ser possível que essas pessoas compreendam que há uma sociedade a ser preservada. E que há uma dignidade individual e integridade física de cada um de nós. O respeito à pessoa deve ser também observado por eles".

A resposta do PCC a tão nobre crença no ser humano foi imediata. No sábado seqüestrou um jornalista e um técnico da rede Globo, para exigir a transmissão de um vídeo. O manifesto brande um discurso de esquerda, faz críticas ao sistema penitenciário, pede um mutirão para revisão de penas, melhores condições carcerárias e se posiciona contra o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). Parte do texto é uma cópia ipsis litteris de um parecer do governo, assinado pelo criminalista Mariz de Oliveira. PCC e PT, mesmo combate.

Quem o transcreveu deve ser um rábula de quinta categoria, pois troca iluminismo por ilusionismo. No final, o manifesto assume um estilo mais coerente com a bandidagem. "Não queremos e não podemos sermos (sic!) massacrados". Ou seja, os presidiários se arrogam o direito de estabelecer seu próprio sistema carcerário. Mais um pouco e exigirão ser julgados por seus pares. Visando preservar a vida de seus funcionários, a Globo aceitou retransmitir o vídeo. O PCC agora já sabe como fazer relações públicas. Basta seqüestrar jornalistas e ameaçar matá-los caso suas reivindicações não sejam transmitidas urbi et orbi.

Ao seqüestrar pessoas para forçar a difusão de uma mensagem, o PCC nada mais fez senão seguir a escola das esquerdas, cujos líderes, hoje aboletados no poder, auto-intitulam-se salvadores da nação e gozam de aposentadorias milionárias como recompensa a seus passados criminosos. Talvez ninguém mais lembre, mas Fernando Gabeira, que hoje se destaca como herói sem jaça em meio ao lodaçal do Congresso, foi um dos precursores desta eficiente estratégia. Como reconhecimento de seus notáveis feitos, foi eleito deputado. Não seria de espantar que, em futuro próximo, o erudito Marcola, o homem que teria lido mais de três mil livros, se apresente para disputar junto ao eleitorado o mesmo reconhecimento da nação.

Mal se estabeleceu a relação entre os métodos das esquerdas dos anos 70 e os do PCC, Gabeira foi logo pondo as barbas de molho. "Nós não éramos bandidos" - diz o ex-guerrilheiro, hoje deputado, em entrevista ao Estadão. Ninguém gosta de ser diminuído. Gabeira era um celerado com uma ideologia na cabeça, que alimentava o grandioso projeto de transformar o país numa republiqueta socialista. O PCC nunca sonhou tão alto. Quer apenas alguns privilégios para os seus.

Antes do seqüestro, o Jornal da Tarde havia recebido um e-mail no qual os novos defensores dos direitos humanos protestam contra "a injustiça, abuso de poder, maus tratos, espancamentos e violência há anos às classes pobres nesse País. (...) Buscamos entre nós o máximo de respeito e solidariedade e nos apoiamos entre si dividindo um pouco de tudo que temos entre materiais e carinho humano com projetos sociais, e nossa verdadeira luta é pela dignidade humana sem discriminação, não visamos nenhum tipo de lucro material dessa luta, e por ela nos sacrificamos sem medir as forças". Para quem chega no meio da conversa, o texto transmite a idéia de uma carta de intenções de alguma entidade beneficente, quem sabe o regimento interno de uma cartuxa. Em sua sede de justiça social, os assassinos e traficantes do PCC já não se contentam em advogar em causa própria. Exigem a redenção dos pobres e oprimidos da nação.

Não é de hoje que os comunicados da guerrilha se assemelham aos chavões da Igreja Católica e do PT. Em um comunicado anterior, o Grito dos Oprimidos Encarcerados, proclamavam: "Somos presos oprimidos pagando por algum tipo de erro cometido perante a sociedade, alguns nem mesmo erraram, mas sofrem as injustiças do ser humano". A linguagem é a mesma de Lula e do PT. Em momento algum fala-se de crimes, apenas de erros. O que sempre me lembra os pruridos de Tarso Genro quando fala de desvios do stalinismo. Stalin não cometeu crimes. Apenas ligeiros desvios.

Neste caldo cultural em que crime não é crime, mas erro, em que seqüestradores não são seqüestradores mas heróis nacionais, e por isso recompensados com gordas aposentadorias e cadeiras no Congresso, nada de espantar que o PCC fizesse sua fezinha. Dando um sentido político aos crimes, quem sabe dentro em breve não se consegue uma anistia, seguida de gordas aposentadorias e indenizações pelos anos injustamente passados no cárcere. Se pegar, pegou. Se não pegar, tentar não custa. Bem entendido, não vai pegar. Falta souche de esquerda aos integrantes do PCC.

Coisa que não falta a Oscar Niemeyer, por exemplo. Os jornais todos hoje vociferam contra a audácia do crime organizado. Em página nobre da Folha de São Paulo, nesta segunda-feira, o arquiteto stalinista chora a morte dos dois maiores criminosos da América Latina, Fidel Castro e Che Guevara. O que falta a Marcola é carteirinha do Partido.

Imprensa que dá página nobre à louvação de grandes assassinos, não tem moral algum para condenar os menores.