¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 18, 2006
 
MAOMÉ, ESPADA E CRISTO


Em 13 de maio do ano passado, a TV da Autoridade Palestina transmitiu o sermão das sextas-feiras do xeque Ibrahim Mudeiris. Seleciono algumas pérolas do mesmo:

"Com o estabelecimento do Estado de Israel, a nação islâmica perdeu-se em sua totalidade, porque Israel é um câncer que se espalha por todo o corpo da nação islâmica e porque os judeus são um vírus semelhante ao da AIDS, da qual o mundo inteiro sofre as dores. (...) Vocês vão descobrir que os judeus estão por trás de todos os conflitos civis deste mundo. Os judeus estão por trás do sofrimento das nações.

"Nós já governamos o mundo antes e por Alá há de chegar o dia em que o dominaremos totalmente de novo. Há de chegar o dia em que dominaremos os Estados Unidos. Há de vir o dia em que governaremos a Inglaterra e o mundo todo - exceto para os judeus. Os judeus não gozarão de uma vida tranqüila debaixo do nosso domínio, porque são traiçoeiros por natureza, como têm sido por toda a história. Há de vir o dia em que todas as coisas ficarão livres dos judeus - até mesmo as pedras e as árvores que foram feridas por eles. Ouçam o Profeta Maomé que lhes fala sobre o maligno fim reservado para os judeus. As pedras e as árvores desejarão que os mulçumanos exterminem todo judeu."

Alguns jornais do Ocidente noticiaram o sermão. Apesar do anti-semitismo e totalitarismo nele expressos, não houve escândalo maior na Europa e Estados Unidos. O pronunciamento do xeque foi absorvido como a manifestação de um fanático.

Terça-feira passada, o papa Bento XVI citou uma frase de um imperador do século XIV, Manuel II, o Paleólogo (1391-1425), dirigida a um estudioso persa: "Mostre-me então, o que Maomé trouxe de novo, e ali só encontrará coisas más e desumanas, como esta, de que ele determinou, que se propague através da espada a fé que ele prega".

Continua o Sumo Pontífice: "Após ter atacado deste jeito, o imperador argumenta, então, pormenorizadamente, porque a propagação da fé através da violência é absurda. Ela está em contradição com a essência de Deus e da alma. 'Deus não tem prazer no sangue', diz ele, e agir de forma irracional contraria a essência de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Quem, portanto, pretende conduzir alguém à fé, precisa da habilidade do bom discurso e de um raciocínio correto, mas não de violência e ameaça... Para convencer uma alma sensata, necessita-se não de seu braço, não de instrumentos de agressão nem de outros meios pelos quais se pode ameaçar alguém de morte ..."

O Islã todo eriçou-se mundo afora. Bento XVI foi comparado com Hitler e Mussolini. Egito e Marrocos chamaram seus embaixadores no Vaticano de volta para avaliar as declarações do papa. Na Caxemira, Índia, protestos são organizados diariamente. Na Cisjordânia, homens armados atacaram cinco igreja católicas. Na Líbia, religiosos afirmam que o insulto nos leva de volta à era das Cruzadas contra os muçulmanos, liderados pelos políticos e religiosos ocidentais. Na cidade de Gaza, na Palestina, duas mil pessoas saíram às ruas para protestar contra o papa. Sábado passado, iraquianos membros do Khaiech al-Mujahedin prometeram lançar ataques contra Roma e o Vaticano, em resposta às palavras de Bento XVI. "Juramos destruir sua cruz no coração de Roma. E que o Vaticano será golpeado e irá chorar por seu papa", anunciou o grupo, que qualificou Bento XVI como "cão dos cruzados".

Contra o Manuel, o autor da frase, não se ouve restrição alguma. No fundo, os mulás estão agindo como agitprops entrincheirados nas mesquitas e querem reproduzir o escândalo de fevereiro passado, das charges dinamarquesas. Ora, nem o papa nem o imperador disseram uma inverdade. O Islã tem se expandido pela espada e não por acaso Maomé era um guerreiro. Mais ainda: o papa não disse nada. Apenas citou um diálogo transcorrido há mais de seis séculos. Obviamente, os muçulmanos não teriam nenhum ganho político xingando o Manuel. Xingue-se então o Bento. Imagine-se o escândalo se o papa citasse Dante, que na Divina Comédia colocou Maomé no oitavo círculo do inferno, destinado aos semeadores de discórdia.

Ora, Maomé não conduziu os árabes à fé através da habilidade do bom discurso e de um raciocínio correto, mas exatamente pela violência e ameaça. Homem de guerra, o profeta liderou sete anos de sangrentas batalhas entre Medina, muçulmana, e sua cidade natal, Meca, cujos principais representantes eram pagãos. No transcurso de sua vida, Maomé comandou 27 expedições militares e organizou outras tantas, lideradas por seus subordinados. Quem não se rendesse ao Islã e pagasse o dízimo poderia ser roubado, escravizado ou morto pelos crentes.

Na batalha dos muçulmanos contra a tribo judaica de Bani Qurayzah, todos os homens foram condenados à morte e as mulheres e crianças à escravidão. Setecentos judeus foram decapitados com um golpe de espada e tiveram seus corpos jogados em valas. A matança durou o dia todo e o último grupo foi executado à luz de tochas. Quem entra em Meca, em janeiro de 630, não é um profeta imbuído de mensagens de paz, mas um Maomé conquistador à frente de um exército vitorioso. Maomé conseguiu, antes de sua morte, unificar praticamente toda a Arábia sob uma só religião, o Islã... a golpes de espada. Não bastassem estes episódios históricos, o Alcorão concita os muçulmanos em várias de suas suras a exterminar os infiéis. Se algum dia estes fatos não puderem ser mencionados no Ocidente sob pena de guerra santa, nesse dia o Ocidente terá capitulado definitivamente frente ao islamismo.

Bento XVI voltou timidamente atrás em sua declaração, dizendo-se desolado porque seus propósitos tenham sido vistos como ofensivos à sensibilidade dos fiéis muçulmanos. Ora, ofensivos não foram, a menos que se considere a História como calúnia. Por outro lado, Sua Santidade parece ter esquecido daquele Cristo que um dia disse: "eu não vim trazer paz, mas espada". A mesma espada que viajou junto com a cruz nas expedições dos conquistadores, a mesma que degolou cátaros e albigenses, a mesma que acompanhou os Cruzados em seus massacres no Oriente. Isso sem falar, é claro, na Inquisição, que obrigou os judeus da Europa, sob pena de morte, a converter-se ao catolicismo.

Isso sem falar que o Antigo Testamento começa com um pancídio, do qual só se salvam Noé e o seus. Jeová ordena Israel a matar os amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus, jebuseus, mais tribos do que massacrou Maomé. Coisas do livro antigo, dirão almas mais complacentes. Assim fosse. No Novo Testamento, no Apocalipse, o Cordeiro volta para exterminar o que sobrou da humanidade.

O monoteísmo surge da areia, diz Michel Onfray. As três grandes religiões contemporâneas nasceram no deserto. Não é de espantar que seus livros contenham prescrições bárbaras, que só serão amenizadas com o evento da urbe. Defendo a idéia de que estes livros antigos sejam preservados como documentos históricos, mas abandonados como corpus normativo de qualquer religião que se pretenda contemporânea.

Enquanto isso, graças a uma frase pronunciada seis séculos atrás, Roma encontra-se ameaçada pelo terror islâmico. É muita hipocrisia. Se os muçulmanos não manifestaram reprovação alguma à retórica belicista do xeque Mudeiris no ano passado, não têm hoje autoridade alguma para contestar a menção de Bento XVI a fatos históricos.