¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 25, 2006
 
OS CROISSANTS E A ARROGÂNCIA DOS SARRACENOS




Ainda o Islã: o mundo muçulmano demonstrou uma arrogância insólita, ao protestar com violência contra um papa que nada mais fez senão citar fatos históricos. Os europeus continuam comendo croissants todos os dias e parecem não mais lembrar da História.

Semana passada, um tribunal da Turquia inocentou a escritora Elif Shafak, de 35 anos, da acusação de insultar a identidade turca no romance O Bastardo de Istambul, lançado em março deste ano - dizem os jornais. Elif era acusada por promotores nacionalistas de infringir o Artigo 301 do Código Penal, segundo o qual um cidadão pode ser condenado a até três anos de prisão por denegrir a identidade nacional turca. Eles pediram a prisão dela porque personagens do livro usam a expressão "genocídio" ao se referir ao massacre de centenas de milhares de armênios nos anos finais do Império Otomano, durante a 1ª Guerra Mundial.

Que a escritora tenha sido absolvida é uma boa notícia. A má notícia é que tenha sido processada por palavras proferidas por personagens. O massacre de um milhão e meio de cristãos armênios por turcos muçulmanos é fato histórico incontestável. E ao massacre de uma etnia convencionou-se chamar genocídio. O espantoso nesta affaire é responsabilizar um ficcionista pelo crime do personagem. É como se o Estado levasse Dostoievski à barra dos tribunais pelo crime de Raskolnikoff, acusasse Gide pelo assassinato de Lafcadio ou responsabilizasse Camus pelo gesto de Meursault. Neste caso, com um agravante: a vítima de Meursault era um árabe. Racismo óbvio de Camus.

Imagine o leitor o drama de um historiador na atual Turquia. Sendo sua afirmação bem mais grave que a de um ficcionista, o historiador terá de pular o período entre 1894 e 1915, quando ocorreram as chacinas muçulmanas. Elif foi absolvida. Mas o artigo do Código Penal turco, no qual foi enquadrada, continua em vigor. "Se o artigo 301 for interpretado dessa maneira, ninguém mais poderá escrever romances na Turquia, ninguém mais poderá fazer filmes", disse Elif. Outros escritores e jornalistas também estão sendo processados por promotores por acusações semelhantes. A Turquia é hoje um país partido em dois. Uma metade assume os valores ocidentais e a outra se refugia no Islã. O obscurantismo desta segunda parcela é o que até hoje dificulta a entrada da Turquia na comunidade européia.

Terça-feira passada, Pervez Musharraf pediu para a ONU proibir a difamação do Islã, em discurso diante da 61ª Assembléia Geral das Nações Unidas. "É imperativo pôr fim à discriminação racial e religiosa contra os muçulmanos e proibir a difamação do Islã", disse o presidente paquistanês. Por difamação do Islã, Musharraf entende as declarações do papa Bento XVI que vincularam a fé muçulmana à violência. Como se o papa tivesse dito alguma novidade.

Aproveitando o embalo, os países muçulmanos pediram na ONU a abertura de negociações diplomáticas para a criação de um acordo internacional que proíba a difamação religiosa. Para Doudou Diene, relator de assuntos sobre racismo, os comentários do papa foram profundamente preocupantes. O Irã, por sua vez, alerta que o direito de expressão não é absoluto quando se trata de um debate sobre as religiões. No fundo, o que estes senhores querem é que seja apagada da História a memória do Islã, pelo menos no que se refere a massacres, execuções, escravidão e intolerância.

Se alguma autoridade política ou religiosa muçulmana não acredita que o Islã se expande a fio de espada, melhor começar jogando à fogueira a obra toda de Al Tabari (839-923), o mais famoso historiador muçulmano, que compila 62 expedições guerreiras entre 624 e 632, comandadas ora por Maomé, ora por seus subordinados. Imagine-se o escândalo dos mulás se Bento XVI comentasse a crônica de ataques, pilhagens, execuções, decapitações, tomadas de escravos, degolas, matanças de judeus, raptos de mulheres e crianças e destruição de ídolos de outras religiões que marcaram a vida do profeta.

Isso sem falar nos massacres que se estenderam desde o século VIII ao XX, na Índia, Egito, Turquia, Armênia, Espanha, Grécia, Paquistão, Tunísia, Marrocos, Iêmen, judeus da África do Norte, perseguições de budistas, conversões forçadas de judeus no Irã e no Iraque, captura de cristãos na Grécia, Sérvia, Bulgária, Armênia e Albânia, massacres na Geórgia, expulsão de judeus da Arábia Saudita. Isso sem falar na invasão da Península Ibérica em 711, em mais de um milhão e meio de europeus feitos escravos entre os séculos XVI e XVII e no cerco à Viena, no século XVII, quando foram derrotados. Fosse Sua Santidade, eu desfiaria este rosário de horrores em resposta ao Islã. Se quiserem negar tais fatos, que neguem sua própria história e contratem novos escribas para reescrevê-la. Mas Sua Santidade, por dever de ofício, tem de usar diplomacia.

Eu não tenho. Não sou pontífice, nada tenho a ver com pontes e posso dizer o que penso. Defendo desde há muito a tese de que esta arrogância muçulmana teve suas origens em 1989, quando o indiano Salman Rushdie publicou no Ocidente Versículos Satânicos. Embora fosse indiano com nacionalidade britânica, Rushdie foi alvo de uma fatwa de Khomeini, então todo-poderoso da "revolução" no Irã. Do alto de um minarete, o aiatolá condenou um cidadão europeu à morte.

A Europa aceitou tranqüilamente a sentença do aiatolá. Em vez de isolar o Irã, o Reino Unido passou a dar proteção a Rushdie. Os demais países da comunidade se mantiveram em silêncio obsequioso. Ora, não se tratava apenas de proteger um escritor perseguido. Mas de repudiar a pretensão megalômana de um padre persa, que pretendeu legislar inclusive no estrangeiro. A apostasia, ou crime, segundo os muçulmanos, havia ocorrido em Londres, com a publicação do livro. Khomeiny ordenou não só a condenação à morte - como também a execução da sentença - de Rushdie, assim como de todos os implicados na publicação do livro, em território europeu ou onde quer que estes "criminosos" estivessem.

Só a apatia dos países europeus pode explicar a reação desmesurada dos árabes, tanto às caricaturas anódinas de um obscuro jornal do sudoeste da Dinamarca como à citação pelo papa de uma evidência histórica. Se naquele momento as democracias ocidentais tivessem cortado relações com Teerã, provavelmente não estaríamos vendo hoje este escândalo hipócrita do mundo muçulmano.

Os europeus continuam comendo seus croissants, dizia. Os croissants são decorrência do ataque do Islã à Europa. Por ocasião do cerco muçulmano à Viena, os padeiros da cidade combinaram uma senha. Quando os mouros, empunhando o crescente e as cimitarras, se aproximassem da cidade, os pães teriam a forma da lua crescente. Pela escassa reação do continente à arrogância dos sarracenos, deduzimos que os europeus contemporâneos já não conhecem História e esqueceram a origem do pão que comem.