¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quinta-feira, setembro 21, 2006
 
VIAJAR - RUMO AOS FIORDES (1)



Certo dia alguém perguntou-me: qual é o país mais lindo do mundo? Bom, não tenho muita autoridade para responder a esta pergunta, posso apenas falar do mais lindo que eu conheço. Aí a questão se bifurca: sob que ponto vista? Pela geografia ou pelo povo? Se for pela geografia, eu colocaria acima de todos a Noruega. Jamais vi algo tão deslumbrante. Há horas em que você não resiste e chora. Ao Chile eu concederia um honroso segundo lugar. Quanto ao povo, afirmo sem hesitar: Espanha. E logo depois Itália. Mas isto é outro assunto.

Deserto é lindo. Mas fiordes são mais. Neve e gelo sempre me fascinaram, não terá sido por acaso que o primeiro país que escolhi para viajar foi a Suécia. Andávamos - eu e a Baixinha - com ganas de frio e brancura e pensamos na Terra do Fogo. Fiz as primeiras pesquisas e o preço - só para chegar lá - era salgado, coisa de 1.800 dólares. Bom, se o que se queria era climas glaciais, para pesquisar sobre a Noruega não se pagava nada. Milagre dos milagres, encontrei uma passagem pela Swissair São Paulo-Oslo-Estocolmo-São Paulo por 669 dólares. Ir até o distante Ártico me custava três vezes menos que viajar à nossa vizinha Antártida. Então é para lá que vamos. Bem entendido, nem sempre se come pão quente. Aquela passagem caiu do céu. Viajamos em junho de 2001 e em outubro a Swissair decretava falência.

Em meus dias de Estocolmo, não cheguei a conhecer o sol da meia-noite. Conheci no máximo o das dez ou onze horas, o que já é fascinante. As noites são fantasmagoricamente brancas e se pode ler um jornal à luz da noite. Como isto não dura mais que um mês, os suecos parecem ser tomados por uma certa histeria, o que não é de surpreender em pessoas que tiveram quase oito meses de inverno rude. Giram a noite toda pelas ruas, parques e bosques e eu os entendo. Como eu chegara na Suécia em dezembro, quando fazia noite às duas da tarde, caí na orgia estival. Nunca na vida senti tanto quanto o sol faz falta. Ia para a piscina às quatro da madrugada, já que entre o sol das quatro e o do meio-dia não havia grande diferença. Nestes dias, o sol é um astro paranóico que roda 24 horas paralelo ao horizonte. Mas faltava-me o sol da meia-noite mesmo. E queria partilhá-lo com a mulher que mais quis em minha vida.

Ao viajar, procuro fugir dos verões. Verão é desconfortável em quase todos os rincões do mundo. Exceto na proximidade dos pólos. Mas não se iluda o leitor com a palavra verão. Subindo o litoral da Noruega, enfrentei neve e temperaturas de zero grau. Se verões tropicais não me agradam, o verão boreal me fascina.

Começamos por Oslo. Capital pachorrenta, com ar de província e arquitetura afável. O primeiro choque não é térmico, mas no bolso. Islândia à parte, tem os preços mais caros da Escandinávia e, conseqüentemente, da Europa. Dói na alma quando se vai jantar, e dói mais ainda quando se pede um vinho. Às restrições ao álcool são duras. Nos systembolag, lojas estatais onde se compra bebibas alcoólicas, há um cartaz:

PROIBIDA A VENDA A MENORES DE 25 ANOS

Um chope, seis euro. Quando voltei pela Suécia, respirei aliviado. O chope custava apenas quatro euro. Voltando a Oslo: de lá toma-se o Flambana, um trem de montanha com vista panorâmica rumo a Bergen, cidade considerada a entrada dos fiordes. O trem o deixará em Flam, pequena aldeia com uma dúzia de casas coloridas fincadas em meio à montanha e ao silêncio. A viagem não dá descanso aos olhos: cascatas que parecem cair dos céus, uma delas quase se abatendo sobre o trem e muito verde. Em Flam há um hotel e no hotel um restaurante com bom passadio. Recomendo como introdução ao silêncio do Sognefjord, o mais extenso dos fiordes (200 quilômetros), que atinge a profundidade de 1.300 metros.

Fiordes são entradas do mar na montanha, que se estendem por vários quilômetros continente a dentro. São estreitos mas podem atingir de 150 a 1500 metros de profundidade, o que lhes permitiu servir de esconderijo a submarinos alemães na Segunda Guerra. Existem em regiões costeiras, onde o clima foi ou é suficientemente frio para formar geleiras abaixo do nível do mar. Navios gigantescos como o Queen Elizabeth conseguem atracar em portos minúsculos, em aldeias que não têm nem 5% da população do navio. Como o continente está subindo, à razão de um centímetro por ano, os fiordes não existirão mais dentro de alguns milênios. Assim, melhor visitá-los logo.

A palavra mágica para esta viagem é Hurtigruten (Expresso Costeiro), uma linha marítima que vai de Bergen a Kirkenes, já nas bordas da fronteira russa. Se você quer dar uma olhadela nos barquinhos da empresa, clique aqui: http://www.hurtigruten.fr. Alguns têm webcams a bordo. O site tem todas as informações necessárias à viagem. Lembre-se: o sol da meia-noite só brilha de meados de maio a julho. Outro detalhe óbvio mas importante: você só verá o sol propriamente dito... quando tiver sol. Se não tiver, as noites brancas já valem a viagem.