¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, outubro 15, 2006
 
MISTÉRIO, PROFUNDO MISTÉRIO!



Acabei de jantar com a TFP. Exato, a Tradição, Família e Propriedade. Não que a graça divina tenha me tocado e eu tenha me convertido ao culto de Maria. Nada disso. Em verdade, há anos janto com a TFP. Ou pelo menos tomo um vinho com eles. Explico.

O restaurante Baronesa, na Baronesa de Itu, fica a uma centena de metros de meu prédio. Como um de meus vícios é ler em restaurantes, sempre bato ponto no Baronesa aos domingos, nem sempre para jantar, mas pelo menos para ler um pouco, acompanhado de um bom chileno ou argentino. E é aos domingos que a TFP houve por bem se reunir lá. (Às sextas-feiras é a maçonaria).

São senhores de meia-idade para cima, todos de terno e gravata, distintivo na lapela. Chegam todos juntos, lotam umas dez mesas, sempre pedem pizza e três cervejas para cada mesa. Quando chega o mandachuva, todos se levantam, fazem a persignação e só depois se dedicam às pizzas. São todos bem apessoados, aparentam prosperidade econômica, em suma, fazem o perfil de profissionais liberais bem sucedidos. Misóginos totais. Desde que moro no bairro - e já lá vão seis anos - nunca vi uma mulher entre eles. Ao final da janta, de novo o sinal da cruz. Saem sempre todos juntos.

Eu, que de mariologia entendo um pouco, continuo até hoje perplexo. Pra início de conversa, eles dedicam suas vidas ao culto de uma mulher. Mas mulher alguma participa de suas reuniões. Em minha juventude, fui presidente de Congregação Mariana e também participava do mesmo culto. Nós cultuávamos uma mulher, é verdade, mas desprovida de qualquer sexualidade. Cultuá-la significava, paradoxalmente, cultivar a castidade. Adulto, o mistério de Maria me intrigou ainda mais. Qual foi a trajetória histórica desse personagem obscuro que - fora o fato de ser mãe de um deus - desempenha um papel quase imperceptível nos Evangelhos e no entanto hoje é cultuada como uma semideusa?

Enfim, tenho minhas respostas para o enigma, mas não é o caso de discuti-las agora. Entre os vários livros que tenho sobre o assunto e se o leitor quiser um título interessante, voilà: Mary - The Unauthorized Biography, de Michael Jordan. Há uma tradução para o espanhol, pelas Ediciones B, de Barcelona. O autor aventa, entre outras hipóteses, que Maria seria uma prostituta sagrada.

Outro fato que me intriga é a ausência de mulheres. Não suporto uma mesa sem mulheres. A mulher é o fator civilizador, que atenua a rudeza dos encontros entre machos. Mesmo que os machos sejam polidos, a mera presença de uma mulher sempre torna uma mesa mais amena, mais elegante. O mesmo ocorre com os maçons das sextas-feiras. Nenhuma mulher entre eles. Os extremos se tocam.

A sede da TFP fica numa rua próxima ao bar, inclusive o famoso oratório que nos 60 teria sido atacado por comunistas. Não é incomum ver-se, durante o mês de maio - mês de Maria - marmanjos ajoelhados frente ao oratório murmurando pais-nossos e ave-marias, por mais fria que seja a noite. Têm vários imóveis de altíssimo valor no bairro. Fico me perguntando: que profissões têm estes senhores? Terão mulheres, filhos? Se têm, por que não os levam a seus encontros? Como é que fazem os filhos? Qual a faixa de renda desta gente? Segundo meus garçons, seriam todos uns pés-rapados. Na saída, são sempre um ou dois deles que pagam a conta toda.

Como podem se prestar pessoas aparentemente prósperas e aparentemente cultas ao culto de uma crendice medieval? Sim, medieval, pois a virgindade de Maria não consta dos Evangelhos. Vontade de sentar entre eles e fazer uma longa entrevista, interrogá-los sobre suas vidas e seu dia-a-dia. Mas vejo que não há clima.

A turma começa a levantar-se, fazem o sinal da cruz e deixam o bar. Me recolho em minha leitura, murmurando com meus botões: mistério, profundo mistério!

Falar nisso, amanhã conto uma história de outro grupo exótico - para dizer o mínimo - a Opus Dei.