¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, novembro 02, 2006
 
ENTREVISTA

concedida a Guilherme Roesler
http://www.gazetacultural.blogspot.com



Janer Cristaldo é um dos poucos escritores no Brasil ainda preocupado com a democracia e com a liberdade, seja ela de expressão, seja ela de pensamento. Enquanto sua geração, bem como as gerações posteriores, adotaram um pensamento único que tende naturalmente ao autoritarismo, Janer, assim como Nietzsche, adota uma postura diferente, parecendo ser um extemporâneo aos olhos daqueles que não conhecem seu trabalho de escritor e tradutor. Janer, antes de tudo, é um libertário. Como lemos nos seus vários livros de crônicas, este intelectual sempre foi comprometido com aquilo que o ocidente tem de mais valioso: a liberdade, a democracia e a razão. Nessa entrevista gentilmente cedida para o blog Gazeta Cultural, o intelectual esclarece alguns pontos importantes de suas idéias, e nos revela também qual a sua visão sobre o atual estágio da Europa, e quais os rumos que esta pode ter nos próximos anos: uma teocracia ou uma democracia. Como sempre, a escolha de que lado lutar é nossa.


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Gazeta Cultural - Janer, a maioria de seus artigos sempre são feitos em um tom confessional, de memórias vividas e experiências próprias. Acredita ser fundamental ao escritor a vivencia, a maturidade, ou a leitura de dezenas de livros mesmo basta para escrever um bom texto?

Janer Cristaldo - Guilherme, não vejo muita diferença entre memórias vividas e experiências próprias. Estas experiências são tão fundamentais ao escritor quanto as leituras. Eu diria que um escritor se nutre de leituras, memória e viagens. Pessoalmente, me agrada muito falar de viagens, pois para um bom observador mesmo a pior das viagens é aprendizado. Eu fiz belas viagens e viagens muito desagradáveis. Estas, por países socialistas ou muçulmanos, foram talvez as que mais me ensinaram.

GC - Janer, em suas viagens pela Europa, o que tem notado de diferente em relação à literatura de cada país? Acha que os escritores estão se tornando cada vez mais iguais, repetitivos, ou está surgindo uma nova literatura em cada país, com seus temas próprios, suas realidades próprias, como ocorreu no movimento romântico?

JC - Guilherme, quando falas literatura, suponho que queiras dizer ficção. Bom, eu não leio ficção há uns bons 20 anos. Ou talvez mais. Cansei. Me cansa ver o autor se esforçar para dar coerência a histórias inventadas, quando a realidade é muito mais rica. Quando um autor conseguiria imaginar as trajetórias de grandes assassinos como Mao, Hitler, Stalin, Pol Pot? Nunca. Eu curti ficção por muito tempo, mas hoje a considero muito pobre. Então, não saberia te falar das tendências literárias de cada país. Em minhas últimas viagens, tenho comprado principalmente ensaios históricos, e a França é excelente neste gênero, particularmente no que diz respeito à história das religiões.Há obras históricas fundamentais publicadas na França, Itália e Espanha que não chegam até nós. Só um exemplo: os últimos livros de Oriana Fallaci. Vendem como pão quente na Europa e nenhum editor brasileiro ousou traduzi-los. Ou seja, nossos editores já se renderam ao politicamente correto. Se os escritores estão se tornando mais repetitivos? Fora os autores de bestsellers, diria que não. Todo autor insiste em ser original. Mas os temas se esgotam.

GC - Janer, mudando um pouco de assunto, e saindo do campo da literatura, um tema sempre recorrente nas suas crônicas parece ser o da democracia e da liberdade. Com acredita estar caminhando a democracia no Brasil e na Europa? Em relação ao Brasil, o que impede o avanço do liberalismo e da queda do paternalismo e da burocracia? E em relação à Europa, o que está significando a morte de Oriana Fallaci, intelectual tão recorrente em seus textos?

JC - Na Europa, as instituições democráticas vêm sendo minadas pelo avanço do islamismo. Os muçulmanos estão tentando introduzir suas próprias leis no continente europeu, leis oriundas de Estados teocráticos e sempre conflitantes com as de um país laico. Os imãs advogam um casamento segundo a legislação muçulmana - oficiado por eles, é claro - insistem em praticar a ablação do clitóris e a infibulação da vagina, querem impor seus dias de festa no decorrer da semana de trabalho, pretendem que suas mulheres possam tirar fotos com véus para documentos de identidade. Há sinais em vários países que a Europa tende a ceder a estas exigências. Se isto acontecer, será o fim de uma cultura superior.

No Brasil, a grande ameaça é o PT. O PT tem suas origens no marxismo e ainda não abandonou seus reflexos condicionados. Os petistas há horas vêm tentando acabar com a liberdade de imprensa, e sem liberdade de imprensa a democracia afunda. Quanto ao MST, no que dependesse destes celerados, já teríamos paredões no país para quem quer que pense diferente.

GC - Janer, acredita que o avanço antidemocrático islâmico na Europa pode significar uma nova Cruzada, mas agora não mais no campo religioso, mas sim no campo da idéias (e quem sabe belicamente) entre a democracia contra o totalitarismo, da razão contra a intolerância?

JC - Guilherme, o islamismo é totalmente incompatível com o Ocidente. No Ocidente, há muito a Igreja separou-se do Estado. Nos países islâmicos, domina o Estado. A luta entre Islã e Ocidente existe há muito e agora se manifesta com mais intensidade em função do aumento do número de imigrantes árabes e africanos na Europa. Hoje, por exemplo, estamos no segundo ano de depredações em massa em Paris, Marselha e outras cidades. (As depredações menores, ocasionais, acontecem desde há muito). Os descendentes de imigrantes descobriram sua força e é claro que este vandalismo, daqui pra frente, vai se repetir todos os anos na França. Mais ainda, vai se espalhar pelas demais capitais européias.

GC - Janer, outro tema sempre presente nas suas crônicas é deus. Qual a diferença do tratamento dado ao ateu na Europa e o tratamento dado ao ateu no Brasil? Existe uma diferença, se assim posso me expressar, no espírito europeu (racional, iluminista, que sentiu na pele o drama da libertação intelectual) e do brasileiro, de formação altamente religiosa, que trata toda polêmica pelo viés religioso?

JC - Guilherme, não saberia responder. Nunca pesquisei isso. Sou ateu, mas não militante. Desconheço associações atéias, não tenho contato com nenhum movimento neste sentido. Ateu que se associa a outros para lutar contra Deus, no fundo está louco para acreditar em Deus. Pelo que vi na Europa, os cristãos - ou melhor, os católicos - são minoritários. Igrejas e catedrais estão repletas de turistas. Os crentes, um grupo de gatos pingados, geralmente assiste missa em uma das capelas. Em Viena, por exemplo, onde são cantadas missas belíssimas, me parece que boa parte dos "fiéis" vai para curtir uma hora de boa música.

Por outro lado, eu não diria que o brasileiro tem uma formação altamente religiosa. Diria, isto sim, que tem uma formação religiosa precária. Certa vez, em uma aula de 40 alunos, perguntei-lhes se eram católicos. Fora duas ou três exceções, todos se disseram católicos. Muito bem: então que significa a palavra "católico"? Ninguém sabia. Perguntei se seus pais eram católicos. Eram. Muito bem: então perguntem a eles o que significa a palavrinha. E me contem amanhã. Os alunos interrogaram seus pais. Nenhum sabia o que significava.É muito difícil encontrar, entre nós, um católico que tenha uma idéia precisa de sua fé. Por exemplo, um católico não pode negar os dogmas da Igreja. Diga a um deles que, ao comungar, ele não está comendo pão, muito menos um símbolo do corpo de Cristo, mas sim a própria carne do Cristo. Ele vai achar que você pirou. No entanto, é isto mesmo. Pelo dogma da transubstanciação da carne, o que se come é carne mesmo. Ao beber o vinho consagrado, está se bebendo o sangue de Cristo, e não um símbolo do sangue de Cristo. A quase totalidade dos católicos desconhece isto. E, se disto tomar conhecimento, não acredita.

Eu suponho que se um candidato à Presidência da República se declara ateu na Europa, isto em nada influiria em sua votação. Aqui no Brasil, político algum ousaria se dizer ateu.

GC - Realmente Janer, você está coberto de razão. Muito obrigado por nos conceder esta entrevista e aceitar o nosso convite para esta entrevista. Muito obrigado.