¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 08, 2006
 
A VAIDADE E O VINHO DE VERONA



Há uma tendência na Europa de hoje de redução de custos em todos os setores da economia. No El País de ontem, Vicente Verdú escrevia: "um vôo (de Madri) a Londres 25 euros, uma semana de cruzeiro pela Costa azul por 500, um relógio três euros, 200 gramas de salmão criado na Noruega e defumado com madeiras de carvalho a 2,39 euros, um rádio de carro com MP3 e USD, 69 euros. Que temível conspiração capitalista se esconde sob este aparente reino de Jauja (país mítico de fabulosas riquezas que teria sido encontrado por Francisco Pizarro) nascido da noite para a manhã, desde o barato ao preço ínfimo, desde a tarifa acessível ao low cost?"

Leio na Vejinha os preços de certos objetos do desejo dos paulistanos, encontráveis nas vitrines da Haddock Lobo: uma bolsa Damier Azur, 5.400 reais. Ora, para mim esta bolsa significa duas idas-e-voltas a Paris. Um relógio Bulgari, pulseira e caixa de aço, 15.450 reais. Seis idas-e-voltas a Paris. Claro que para quem compra tais luxos ir e voltar a Paris é o de menos. Mesmo assim, é curioso observar esta mania de ostentação em um país no qual exibir um relógio ou uma bolsa dessas é um convite ao assalto ou seqüestro.

Os europeus não são infensos a tais luxos, é verdade. Mas na Europa pode-se andar com um relógio caro na rua sem o risco de perdê-lo. Chez nous, você pode perder até mesmo a vida.

Michel Bettane, um sommelier francês que esteve em maio passado em São Paulo, teve a infeliz idéia de degustar um expresso na cafeteria Santo Grão, na rua Oscar Freire. Gostou do café e pediu ao garçom para moer dois pacotes, para levar para a França. Com os pacotes, de 250 gramas cada, a surpresa: cada um custava 200 reais. Bettane acabou negociando, levou um pacote e outro ficou na casa. "É muito bom - disse o sommelier - fiz como expresso e extração francesa. Mas não vale tanto. Recomendo só para esnobes".

E esnobes é o que não falta em São Paulo. Há restaurantes oferecendo pratos com trufas brancas por 640 reais. Dois gramas de trufa a 180 reais. Há mesas de cinco ou seis pessoas cuja conta gira em torno de 50 ou 60 mil reais. E mais: os comensais brigam para pagar a conta toda. É o que chamo de restaurantes para pessoas jurídicas. Os custos são contabilizados como verba de representação. Quem acaba pagando a conta somos nós, contribuintes.

O que me lembra um pequeno restaurante em Verona, a mítica cidade italiana onde Shakespeare situou o meloso drama de Romeu e Julieta. O restaurante era simpático, sem maiores luxos e preços humanos. Mas, em meio a seus muitos vinhos, oferecia um de nada menos que onze mil dólares. Ora, mesmo se eu fosse um Bill Gates não pediria tal vinho. Vinho de onze mil dólares é vigarice. Que insumos, que custos de cultivo justificam onze mil dólares? Não me dei ao trabalho de medir, mas suponhamos que uma garrafa se consuma em 110 goles. Estarei bebendo 100 dólares a cada gole?

Só uma vaidade sem limites justifica tais preços. A minha não chega a tanto. Nunca chegou nem mesmo a 100 dólares. Já degustei excelentes sicilianos, riojanos, franceses, portugueses e vinhos aqui da Cordilheira, sem nunca ter pago nada além de 50 dólares. Não consigo entender que grau excelso de satisfação palatal possa justificar mais 10.950 dólares.

Mês que vem, estou viajando rumo ao low cost. Mandarei notícias.