¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, janeiro 28, 2007
 
AU BORD'ELLE




La Seine... Sena é palavra feminina. "Au bord'elle, la Seine" é o mais longo capítulo de Ponche Verde. Au bord'elle morreram os últimos mitos que nutri em relação à Europa. Não por acaso, comecei o relato no dia do enterro de Sartre, sentei meus personagens no café Select, de Montparnasse, e deixei-os falar. À medida que falavam, em suas palavras constatei esta sensação ambígua de todo latino-americano em Paris, a mesma sensação de gaúcho residindo em Florianópolis: "a cidade é linda, mas..." Claro que adoramos Paris, descobri isto quando insistia junto a um amigo de Porto Alegre: "não gosto desta cidade". Afinal, se Baudelaire se permitia dizer "j'ai horreur de Paris", eu não me sentia exatamente um herético ao manifestar um certo desagrado. "Podes não gostar dela", atalhou o gaúcho, "mas é a cidade à qual mais voltas, se possível todos os anos". Sem querer, eu me traíra.

Como se trai todo criador latino-americano às margens do Sena. Em Piedra negra sobre una piedra blanca, César Vallejo anuncia sua morte:

Me moriré en París con aguacero,

un día del cual tengo ya el recuerdo.

Me moriré en París - y no me corro -

tal vez un jueves, como hoy, en otoño.


Em Identidad Cultural de Iberoamérica, o uruguaio Fernando Ainsa contrapõe a este poema a maldição de Andrés Bello em Carta escrita en Londres a Paris por un anciano a otro:

Mal haya ese París tan divertido

y todas sus famosas fruslerias

que a soledad me tienen reducido!

Mal rayo abrase, amén, sus Tullerias

y mala peste en sus teatros haga

sonar en vez de amores, letanias!


Esta ambigüidade encontradiça tanto em latino-americanos como em estrangeiros das demais latitudes forneceria material para uma enciclopédia. Rómulo Gallegos, em Reinaldo Solar, tenta uma explicação do movimento que impele os buscadores de Eldorados:

Y por qué se ván? Por qué preferimos la lucha en el país extranjero y no la podemos resistir en el propio? Sencillamente, porque aquello es lo fantástico y esto es lo real. Al cabo de cuatrocientos años hacemos lo que hacían los conquistadores que desdeñaban poblar y colonizar, preocupados solamente con la eterna expedición de El Dorado. El Dorado fué la ficción inventada por el índio para internar y perder al español, y la gota de sangre del índio que tenemos en las venas es lo que hace pensar hoy en la fuga a Europa que es otro El Dorado.

Em tese inexplicavelmente não divulgada no Brasil, Os Conflitos de Identificação Cultural dos Estudantes Brasileiros na França, defendida na Université de Paris IX-Dauphine, a paranaense Norma Takeuti arrolou as imagens usualmente alimentadas pelos bolsistas brasileiros em Paris. Les voilà:

berço da cultura ocidental

eldorado da intelectualidade

pólo irradiante da cultura no mundo: lá, tudo acontece antes

porta-bandeira da democracia

país dos direitos do homem

terra da pluralidade e do pensamento aberto

terra do livre pensamento e do laissez faire

terra para onde você vai e se libera de tudo

Takeuti também arrola depoimentos dos mais significativos, como a da estudante que ao chegar a Paris foi imediatamente à Sorbonne "tomar um banho de cultura respirando o ar que emanava daquelas paredes". Melhor ainda, o de outra estudante, interrogada sobre a imagem que fazia da França:

A França é, para mim, o país do sonho. Penso na França do passado. Eu não posso imaginar a França de hoje. Quando penso nela, o que me vem ao espírito são os pintores nos cantos bucólicos, os apaixonados à beira do Sena, os bares acolhedores com sua decoração pitoresca, os restaurantes iluminados à luz de velas, as pequenas ruas medievais... O país das maravilhas! ... e eu, Alice, extasiada!