¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 19, 2007
 
ENTREVISTA A LEO MELGAÇO

(http://www.opequenoburgues.org)



Janer Cristaldo é aquele que pode ser caracterizado como polêmico. Até pouco tempo, ele mantinha um composto curioso que se desfacelou recentemente: Ateu, crítico do cristianismo e, ao mesmo tempo, colunista do Mídia Sem Máscara. Não, não. Janer não deixou de ser ateu e, tampouco, crítico do cristianismo. Apenas chutou o pau da barraca e bateu retirada do MSM, por não suportar, de maneira alguma, qualquer tipo de censura aos seus artigos. Nessa polêmica entrevista, Janer diz o que pensa a respeito da censura que sofreu, crítica o Olavo de Carvalho, caracterizando-o como não-filósofo, e, ainda, afirma que virou ateu lendo a Bíblia, por não acreditar que possa existir "aquele Deus cruel e genocida" lá retratado.

A entrevista foi divída em 5 Partes:

1- Censura
2- Brasil
3- Religião e Cultura Ocidental
4- Mundo
5- Literatura


Segue abaixo:



Censura

Leo Melgaço - A pergunta que todos os seus leitores gostariam de te fazer, por mais que já tenha sido batida e rebatida, é a respeito da sua retirada do Mídia Sem Máscara. Você alegou ter sido vítima de censura. Embora não seja lá uma das atitudes mais democráticas vetar um artigo, até que ponto você acha que um jornal tem o direito de censurar em nome da sua linha editorial?



Janer - O MSM vive de colaborações não pagas. Quando se convida um autor para escrever, não se pergunta pelo que ele escreve. Só o que faltava escrever de graça e ser censurado. Quando sou pago para escrever por um jornal convencional, até entendo. O jornal tem seus interesses comerciais e quer preservá-los. Deixa então de pagar-me, porque o que escrevo prejudica o jornal comercialmente. Nunca entendi o MSM como um jornal convencional. Se eles quiserem se transformar nisso, estou fora. Nestes dias de Internet, posso escrever sem censura alguma. Penso que o MSM não entendeu bem o que significa mídia eletrônica.

Leo Melgaço - O professor Olavo de Carvalho, editor do Mídia Sem Máscara, depois da sua saída, vem sendo acusado de praticar os mesmo gestos autocráticos dos quais foi vítima no decorrer dos últimos anos. Como você enxerga uma atitude dessa advinda de um filósofo que se auto-declara como defensor dos princípios democráticos e da liberdade Ocidental?

Janer - É de supor-se que tenha sido o Olavo o responsável pela censura a meu artigo. Eu não sei. É bastante possível, mas não posso afirmar isso. Paulo Zamboni, o editor de fato, me escreveu, dia 05 de janeiro passado, que viria até minha casa explicar-me as razões da censura. Até agora estou esperando. Disse que não mandaria as razões por email porque eu poderia reproduzi-las. Ora, é exatamente para isso que quero saber porque fui censurado. Para repassar a informação a meus leitores.

Mas, já que falaste no assunto, o Olavo foi marxista em sua juventude. O que me parece vergonhoso para um homem da idade dele. Temos a mesma idade e nessa armadilha não caí. É bem possível que não tenha ainda se libertado deste viés ditatorial dos marxistas. (Ou teve uma recaída). Por outro lado, não é filósofo coisa alguma. É apenas um estudioso de filosofia. Precisamos acabar com essa mania, de que quem estuda ou ensina filosofia é filósofo. De qualquer forma, basta ver a forma como Olavo responde às pessoas que dele discordam. Começa insultando, desqualificando o adversário, empunhando os argumentos ad hominem que tanto diz abominar. Quando a Zero Hora recusou um de seus artigos, mandou o jornal que o acolhera à merda. Isso é atitude extremamente vulgar, especialmente quando tomada por alguém que se pretende filósofo. Democracia, para o Olavo, pelo que se depreende de seus artigos, é pensar como ele pensa.



Brasil

Leo Melgaço - A atual imprensa brasileira vem se edificando em pilares duvidosos. Na sua opinião, ela está muito longe de exercer o papel ao qual toda imprensa digna deveria se propor?

Janer - Tenho criticado, ao longo de minha vida, não só a imprensa brasileira, como a imprensa toda. Seqüela do século passado, até hoje a imprensa conserva um viés esquerdizante, que malha tanto Hitler como Franco, mas procura sempre preservar Lênin, Stalin, Mao. Seja como for - e especialmente no Brasil - a imprensa é o último recurso do cidadão. Os grandes jornais brasileiros foram bastante ativos nas denúncias dos crimes do PT. Foi em vão, o país reelegeu o capo mafioso. Que se vai fazer? Apesar desta tendência esquerdizante da imprensa, o jornalismo brasileiro não foi omisso ao denunciar a roubalheira.

Leo Melgaço - Recentemente, li um artigo antigo do senhor no qual afirmaste que na Suécia "não havia oposição, pois era o país do consenso. Os deputados debatiam no plenário e se acertavam nos corredores". Recentemente, o PSDB, o maior partido oposicionista, se engajou em apoiar o candidato do PT - Arlindo Chinaglia - para a presidência da Câmara. Ou seja, tanto o Brasil quanto a Suécia são países de consenso. Mas qual a diferença entre o "consenso" deles e o nosso?

Janer - Quando falei disso pela primeira vez, lá por 73 ou 74, o jornalista que me entrevistou, ao transcrever minha resposta, pôs em minha boca que a Suécia funcionava porque não tinha oposição, já que era o país do bom senso. Era o que ele tinha na cabeça, quando há bom senso não há oposição. Mas não se pode comparar a atitude de políticos de um país protestante, onde a vige a honestidade, com a atitude de políticos vagabundos e venais deste país católico.

Leo Melgaço - A respeito da cultura brasileira, qual o seu posicionamento? Existem produções que mereçam respeito? Alguém se salva?

Janer - Alguma coisa existe. Mas confesso que nenhuma delas ocupa um lugar de destaque em minhas preferências. Não temos cientista algum que mereça renome universal. Não temos nenhum Cervantes, Dante ou Swift. Não temos nenhum Fellini ou Kurosawa. Nenhum Beethoven ou Mozart. Nenhum Renan ou Toynbee. Se um dia a cultura brasileira desaparecer da face do planeta, ninguém sentirá falta alguma.


Religião e Cultura Ocidental

Leo Melgaço - Você é bastante conhecido por criticar o conservadorismo cristão, que é o principal alicerce do presidente americano George Bush. Qual o papel que você atribui aos valores judaicos-cristãos para formação da cultura Ocidental?

Janer - Não é que eu critique o conservadorismo cristão. Eu critico o cristianismo, seja revolucionário ou conservador. É doutrina mais perversa que o marxismo. O marxismo depende da força para ser incutido às mentes. O cristianismo é insidioso: se infiltra nas mentes. É uma espécie de maquininha de tortura que o crente instala em seu cérebro e ele mesmo aciona. O marxismo, como filosofia de Estado, mal emplacou sete décadas. O cristianismo vige há dois mil anos e não dá sinal algum de cansaço. É praga que a humanidade terá de carregar nas costas por mais alguns milênios.

Bush é um idiota que tem em mãos o mais formidável arsenal do planeta. Até Bush já reconheceu estar errado na questão do Iraque. Só alguns católicos fundamentalistas discordam de Bush, não admitem o que ele já admitiu. Falar em valores judaicos-cristãos para a formação da cultura ocidental é um sofisma safado. Deixa-se de lado todo o legado greco-romano, justamente o mais valioso. Democracia, liberdade de expressão, noção de indivíduo, são os grandes legados de Roma e da Grécia. Da cultura judaico-cristã herdamos as teocracias, os dogmas, a ausência de liberdade individual. O marxismo, inclusive. Marxismo só vinga em países católicos. A Rússia de 17 era um país católico. Os partidos comunistas mais fortes da Europa eram os das católicas Itália, França e Espanha.

Leo Melgaço - De qual maneira o teísmo foi influente na sua formação pessoal e intelectual?

Janer - Foi influente no sentido em que me deu uma idéia bastante precisa da cultura vigente no Ocidente. Ninguém conhece a fundo a história do Ocidente se não tiver uma boa noção da Bíblia e do cristianismo. Esta noção, eu a tive. Conheço suficientemente o teísmo para negá-lo com autoridade.

Leo Melgaço - O que te levou ao ateísmo?

Janer - A leitura da Bíblia. Aquele deus cruel e genocida, cambiante conforme a época, não pode existir. É invenção humana.


Mundo

Leo Melgaço - A Guerra no Iraque foi o principal sustentáculo da reeleição do presidente George Bush. Você acredita que os americanos invadiram o Iraque em busca de armas biológicas? Acredita que invadiram, também, pela suposta ligação de Saddam com a Al Qaeda? Ou acha, simplesmente, que eles foram cinicamente à busca de petróleo?

Janer - Porque invadiram, não sei. As razões serão muitas. Certamente o petróleo é uma delas. As armas biológicas foram um pretexto estúpido do Bush, já que antes da guerra estava comprovado que o Iraque não as tinha. O pretexto da ligação com a Al Qaeda é estúpido. Bin Laden era saudita, a maioria dos terroristas era saudita, e Bush bombardeia o Iraque. Não tem sentido.

Leo Melgaço - Com a ascensão totalitária de Hugo Chávez ao poder da Venezuela; com a chegada de Morales à Bolivia; com o domínio de presidentes de cunho socialista se alastrando pela América Latina - e a presença do Foro de São Paulo -, como o senhor pensa que estará a AL daqui a uns 20 anos? Já comprou sua passagem de avião?

Janer - A passagem de avião já está comprada. Para a próxima terça-feira. Para um giro entre Paris e Madri. Mas esta não é aquela passagem definitiva, a de abandono do Brasil. Considero que, apesar dos pesares, o Brasil é país onde se pode viver. Prova disto são as centenas de milhares de migrantes que o buscam. Imigrante não se engana. Se paisecos como Venezuela e Bolívia têm a desgraça de ter governantes como Chávez e Morales, não me parece ser este o caso do Brasil. Ora, direis, temos Lula. Mas Lula foi suficientemente malandro para trair a carta original do PT. Seguidamente vemos declarações suas de que nada tem a ver com as esquerdas. O que ele não conta é que usou as esquerdas para chegar ao poder. Mas já admite nada ter a ver com as esquerdas. Isto não o exime da condição de bronco e analfabeto, mas já é algo. Pior seria se, além de bronco e analfabeto, seguisse as proposições originais do PT.

O Foro de São Paulo não apita nada. É mais um jamboree das esquerdas, tipo o Fórum Social. Nada de espantar que as esquerdas se reúnam e conspirem. Elas se reúnem e conspiram desde que começaram a existir. Essa importância desmesurada dada ao Foro de São Paulo é ficção alimentada pelo Olavo de Carvalho e seus discípulos. Só o MSM vê esta ameaça. Nenhum outro jornal do mundo a leva em consideração. Serão todos os jornais do mundo cúmplices desta conspiração? Honestamente, não acredito.

Daqui a vinte anos, pelo ritmo em que anda, a América Latina certamente estará mais pobre.

Leo Melgaço - Como você analisa o papel de potência desempenhado pelos Estado Unidos no decorrer das últimas décadas? Ao longo desses tempos, eles têm mais coisas boas ou ruins para contar?

Janer - Eu não gosto do modus vivendi americano, da cultura americana, desta história de winner ou loser, do consumismo americano. Mas tenho profundo respeito por algumas conquistas dos Estados Unidos. Em duzentos anos, eles chegaram à Lua e mandaram naves além de Plutão. Em quinhentos anos, o Brasil sequer conseguiu reproduzir uma caravela como aquelas em que os portugueses chegaram aqui. Eu vibro quando uma nave volta a Cabo Canaveral, vejo isto como uma conquista da raça humana. Penso que um Bush não consegue empanar todas as conquistas dos Estados Unidos, particularmente no campo da ciência, tecnologia, engenharia, medicina, etc. Apesar de mancadas como esta do Iraque, considero que o saldo é positivo.


Literatura

Leo Melgaço - Em literatura, o que você considera como clássico?

Janer - Clássicos são os que ficaram. Platão, Cervantes, Dante, Swift, Dostoievski e por aí vai.

Leo Melgaço -
Existem obras literárias brasileiras que são indispensáveis para qualquer leitor do mundo?

Janer - Nenhuma.

Leo Melgaço - Quais são seus autores e livros preferidos?

Janer - Sempre que me perguntam por autores preferidos, tenho de repetir-me. É normal, pois minhas preferências não mudam. Então vamos lá. Todo homem necessita de alguma poesia. Há dois poetas que me satisfazem plenamente, posso viver minha toda nutrido por eles: José Hernández e Fernando Pessoa. Hernández escreveu o poema maior da América Latina, Martín Fierro. É poema que leio e releio e não canso de reler. Poucas pessoas o conhecem no Brasil. Pessoa, sabemos quem é.

Entre meus livros de cabeceira, tenho a História das Origens do Cristianismo, de Ernest Renan (sete volumes). Através destes volumes, tenho uma boa idéia das crenças que embasam o Ocidente. Outro de cabeceira é A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, que me dá uma boa idéia dos fundamentos da cidade contemporânea. Fui um leitor apaixonado de Nietzsche e até hoje gosto de reler Ecce Homo, o último livro que publicou antes de enlouquecer. Este livro resume o homem todo. A propósito de loucos, gostei também de ler Escuta, Zé Ninguém, do Wilhelm Reich.

Sou fascinado pelas Viagens de Gulliver, a meu ver o livro mais importante do século XVIII. Atualíssimo. Já fui processado por citá-lo. E considero 1984, do Orwell, a obra mais emblemática do século XX. Desmonta toda a semântica do comunismo. Não posso deixar de lado o Quixote, que traduz todo um país que adoro, a Espanha. Além disso, é uma viagem no tempo, me transporta a uma Espanha de 400 anos atrás.

Leo Melgaço - O que te levou ao início do trabalho de tradutor? E quantas obras você já traduziu?

Janer - De novo, tenho de repetir-me. Ao voltar da Suécia, trouxe um livro belíssimo, um romance de antecipação, Kalocain, de Karin Boye. Traduzi-o um pouco pelo prazer de fazer uma leitura em profundidade, outro tanto para não perder meu sueco. O livro foi aceito por uma editora do Rio, a Cia. Editora Americana. Depois disso, um editora paulista, a Alfa-Ômega, convidou-me para traduzir Crônicas de Bustos Domecq, de Borges e Bioy Casares. Mais tarde, Ernesto Sábato me escolheu como tradutor de suas obras. Traduzi cerca de vinte títulos e cansei. O pagamento é vil. Em verdade, rende algumas viagens, mas isso não é generosidade da editora. A gente tem de se virar. Em virtude de minhas traduções do sueco, ganhei uma viagem à Suécia. Ganhei também uma bolsa na Espanha, que atribuo às minhas traduções do prêmio Nobel espanhol Camilo José Cela. Bem entendido, eu o traduzi antes de ser Nobel.

Extra

Leo Melgaço - Em política, a qual lado você se alinha? Direita, esquerda, liberalismo...

Janer - Não me sinto nem à direita nem à esquerda. Isso de enquadrar alguém obrigatoriamente em esquerda ou direita é armadilha das esquerdas. Quem é de direita? É alguém que não aceita a esquerda. Ora, nessa eu não caio. Liberal muito menos. Ainda mais nestes dias em que setores católicos passaram a gostar da palavrinha e a adotaram. Ora, um liberal não pode ser católico. Católico é aquele que aceita teocracia, teologia e dogmas. Por mais que se espiche o sentido da palavra liberal, não me parece que rime com teocracia, teologia, ou dogmas.