¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, janeiro 30, 2007
 
A MORTE DO MITO



Navegar é preciso, viver não é preciso, diziam os nautas lusitanos. O leitor apressado pode cair na trampa da interpretação mais imediata, a de que navegar é necessário. Não é este o sentido do refrão. Assim falando, pretendiam os marujos alertar para o fato de que navegar é ofício que pode ser exercido com precisão, o mesmo não se podendo afirmar da vida. Ernesto Sábato afirma continuamente em suas obras que jamais viajamos em busca de países ou paisagens, mas sempre em busca de nós mesmos. Destes viajantes, que na viagem se descobrem escritores, tradutores ou comparatistas, tem dependido o diálogo entre Europa e América Latina.

Guimarães Rosa foi um destes viajores e suas navegações foram profícuas. Em Diálogo com a América Latina, diz a Günter Lorenz:

Olhe, o futuro da Europa e de toda a humanidade é como uma equação com várias incógnitas. A Europa é pequena, mas seus habitantes são ativos e, além disso, têm a seu favor uma grande tradição. Entretanto, os europeus não têm qualquer influência sobre essas incógnitas que determinam o futuro de um continente. O x e o y desta equação decidirão o amanhã, tanto é assim que quase já se pode dizer hoje. A América Latina talvez não seja a incógnita principal, o x, mas provavelmente será o y, uma incógnita secundária muito importante. Pela matemática, sabe-se que uma equação não se resolve se uma segunda incógnita não for eliminada. Suponhamos agora que a América Latina seja a tal incógnita y.

Homem a cavalo sobre dois continentes, Guimarães Rosa não padecia do deslumbramento de marinheiros de primeira viagem e confiava robustamente no futuro das letras latino-americanas:

A Europa é um pedaço de nós; somos sua neta adulta e pensamos com preocupação no destino, na enfermidade de nossa avó. Se a Europa morresse, com ela morreria um pedaço de nós. Seria triste, se em vez de vivermos juntos, tivéssemos de dizer uma oração fúnebre. Estou firmemente convencido, e por isso aqui estou falando com você, de que no ano 2000 a literatura mundial estará orientada para a América Latina. O papel que um dia desempenharam Berlim, Paris, Madri ou Roma, também Petersburgo ou Viena, será desempenhado pelo Rio, Bahia, Buenos Aires e México. O século do colonialismo terminou definitivamente. A América Latina inicia agora seu futuro. Acredito que será um futuro muito interessante, e espero que seja um futuro humano.

Rosa exagerava em seu otimismo. De qualquer forma, na era dos computadores e Internet, a aldeia global se descentraliza. Viver au bord'elle, daqui para a frente, já não é mais paragem obrigatória de toda viagem iniciática. Embora meu Eldorado estivesse um pouco mais ao norte, os anos de Paris serviram para conhecer-me a mim mesmo e a meu continente. Chesterton dizia ser impossível conhecer uma catedral permanecendo dentro dela. Se não consegui com Paris aquela intimidade inatingível da qual fala Edwards Bello, lá muito conheci da América Latina, como muito conhecerá de Paris o francês que passe algum tempo em nosso continente. Não por acaso, poucas relações tive com o parisiense sedentário, que só se desloca da Rive Gauche para alguma praia do Mediterrâneo. Meus interlocutores eram em geral jornalistas, cooperantes ou bolsistas estrangeiros, seres que por contingências do ofício muito bem sabem que Paris não é o centro do mundo.

Em Paris, morreu para mim o mito Paris, e penso que esta é a mais vital descoberta para um latino-americano. Descoberto isto, podemos pensar em criar, sem ligar para modelos nem sentir-se Terceiro Mundo. Antes porém, navegar foi preciso.