¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, março 11, 2007
 
AINDA AS MULHERES E O ISLÃ



Uma mulher precisa ser muito vagabunda, em qualquer acepção da palavra, para decidir não trabalhar só porque o marido pode prover tudo - escrevi há pouco. Recebi mail machucado de uma amiga, que não se sente vagabunda de forma alguma, só porque optou por interromper o trabalho para cuidar dos filhos. Ora, eu não me referia a estas. Interromper o trabalho significa que a pessoa trabalhava, tinha uma profissão e a exercia. Eu falava, isto sim, destas senhoritas que jamais pensaram em exercer uma profissão qualquer porque acham que ao amo e senhor cabe seu sustento. Elas são legião. Um dia a casa cai, a mulher se vê no olho da rua e acaba apelando à única profissão que - pelo menos teoricamente - não exige formação alguma, a prostituição. Não tenho dados, mas é de supor-se que sejam estas moças as que mais alimentam o mercado da carne paga.

Ao falar de vagabundas, eu me referia àquela brasileira casada com um muçulmano que recentemente afirmou: "Mas se a mulher não precisa trabalhar, já que o marido pode prover tudo, por que ela vai trabalhar?" É que talvez ela ainda não conheça certas práticas jurídicas do Islã. Já contei esta história cinco anos atrás. Como curta é a memória das gentes, cabe repetí-la.

Aconteceu na Arábia Saudita, em 79, em uma copa de futebol. O fato foi relatado no jornal Al Medina, de Riad. Abdul Rahman El Otaibi, rico comerciante, assistia o jogo entre a equipe Ittihad, de Djeddah, e a equipe Ahli, de Riad. Abdul torcia por Ittihad, sua mulher preferia encorajar os Ahli. Para desgraça da senhora El Otaibi, seu time marcou um gol. Ela vibra e Abdul pronuncia a fórmula ritual:

- Em nome de Alá, eu te repudio.

O jogo continua. Os Ahli fazem um segundo gol, a senhora Otaibi não se controla e aplaude seu time. Abdul repete a fórmula:

- Em nome de Alá, eu te repudio.

Para suprema desgraça da senhora Otaibi, em uma dessas jogadas que nem mesmo um ficcionista ousaria criar, quis o destino que os Ahli marcassem um terceiro gol. Ela vibra. Abdul pronuncia pela terceira vez a fórmula fatídica:

- Em nome de Alá, eu te repudio.

Ora, no Islã basta que o marido repudie a mulher três vezes para que o divórcio se consume. A partir do terceiro gol, a senhora Otaibi estava no olho da rua. O caso acabou na corte corânica de Meca. Para sua sorte, em algum lugar disse Maomé: "o divórcio não será válido se for pronunciado sob o império de cólera extrema".
Em severo editorial, o Al Medina anatematizava não o Corão, evidentemente, mas o futebol: "até quando nossa obsessão pelo futebol continuará a destruir o caráter sagrado de nossa família?"

Ainda em janeiro passado, o Corriere della Sera nos contava uma versão mais ágil do divórcio árabe. Uma professora de Literatura em Genova, casada em segundo matrimônio com um marroquino, descobriu-se divorciada por celular. Recebeu um singelo SMS com a mensagem: EU TE REPUDIO, EU TE REPUDIO, EU REPUDIO. O divórcio estava consumado. No ano passado, um tribunal de Manila, Filipinas, reconheceu que o direito dos maridos ao divórcio se poderá efetivar via SMS. A tecnologia unida à barbárie torna tudo mais rápido.

É a chamada lei dos três talaks (repúdio). Pronunciado três vezes o repúdio pelo marido, a mulher está divorciada. Claro que o inverso é inimaginável. Mulher vale sempre metade no Islã. Se o Corão reconhece às mulheres o direito à herança, os doutores da lei decidiram que a mulher só pode receber metade da parte devida ao homem. O testemunho de um homem vale pelo testemunho de duas mulheres. Um homem pode ter quatro mulheres. A mulher, um homem só.

A amiga que me escreve, corroborando o que tenho escrito sobre a condição da mulher árabe, me fala de uma reportagem que viu na televisão sueca. Na Arábia Saudita, uma mulher que fora raptada, espancada e estuprada por sete homens foi condenada a 90 chicotadas por ter estado sozinha com os sete homens. É realmente invejável a condição da mulher sob o Islã.

Há uns trinta anos, tive oportunidade de conhecer três países islâmicos, Egito, Argélia e Tunísia. A misoginia é flagrante. Raras mulheres nas ruas e quase sempre com véus. Em Argel, estive em época em que os fundamentalistas ainda não haviam mostrado suas garras. Se na casbá o véu era regra, nas proximidades da universidade já se podia ver rostos femininos. Mais tarde os ativistas muçulmanos começaram a jogar ácido no rosto das mulheres sem véu, e suponho que hoje mulher alguma se arrisque a ser desfigurada. É preciso muito ódio ao sexo feminino para deformar um rosto. Durante a guerra contra os franceses, as mulheres tiveram ocasião de exercer sua independência: eram muito eficazes para carregar bombas. Terminada a guerra, que voltem para a cozinha fazer cuscuz. Aliás, esta situação se repete atualmente. Na hora de explodir-se, as muçulmanas têm os mesmos direitos que os homens.

Nos bares, imensos e espaçosos, centenas de machos tomando café, chá ou fumando narguilé. Nem sombra de mulher. Uma turista, acompanhada por um homem, e se não estiver de pernas à mostra, até que pode entrar. Mas não se sentirá nada bem. O bar é território exclusivamente masculino e mulheres lá não são bem-vindas. Um amigo me lembra que na década passada, a mulher do embaixador do Brasil na Arábia Saudita apanhou publicamente da polícia de Riad, por não estar portanto o famigerado véu num centro comercial. Claro que tudo ficou por isso mesmo.

No Cairo, naquelas noites de inverno a sufocantes 30 graus, milhares de homens passeando abraçadinhos, braços no ombro, na cintura, mãozinha com mãozinha, dedinhos entrelaçados. Nem sombra de mulher. Eventualmente, um vulto velado correndo para casa. Homofilia, diriam os mais gentis. Os cultores de eufemismos que me desculpem: aquilo é homossexualismo. Ora, quem me conhece sabe muito bem que nada tenho contra homossexuais. Mas as mulheres não precisavam ser expulsas dos bares e das ruas, ora bolas.

Isso sem falar na infibulação da vagina e na ablação do clitóris. Estas mutilações estão hoje em todos os jornais. Mas nos anos 70, quando escrevi sobre o assunto no Brasil, fui tomado por delirante. Acusavam-me de estar denegrindo o islamismo. Hoje, sabe-se que a praga está se espalhando pela Europa, Estados Unidos e Canadá.

Muitas são as diferenças entre Islã e Ocidente. Mas a condição da mulher é o ponto nevrálgico. Enquanto este contencioso não for resolvido, não se pode falar em diálogo. Ocorre que jamais será resolvido.

À brasileira que louvou a condição da mulher muçulmana, seria interessante perguntar se permitiria que suas filhas fossem castradas e mutiladas para o prazer.