¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 26, 2007
 
CERTEZAS FANÁTICAS



Em seu blog, escreve Júlio Lemos:

Percebi uma tonalidade recorrente nos artigos do Sr. Janer Cristaldo que me faz lembrar a de um velho aposentado que perdeu a virilidade e agora fica a atacar a Igreja, os padres, os protestantes, o cacete a quatro, pois não consegue encontrar mais consolo na sua subjetividade diminuída. Não falo da pessoa do eminente articulista, mas daquilo que os seus escritos evocam – a título de "salvaguarda moral do autor", que não merece ser ridicularizado e muito menos difamado.

Sem falar "da pessoa do eminente articulista"... mas falando, é claro. Meus artigos lembram então um velho aposentado que perdeu a virilidade e por isso fala mal da Igreja e dos padres. É isso? Um outro cronista, astrólogo e sedizente filósofo, me chamou de farrapo humano "que se aproveitava de seu estado de viuvez" para falar mal da Igreja. Para um, se falo mal da Igreja é porque sou viúvo. Para outro, é porque sou velho e impotente. Ou seja, no fundo não se admite que um adulto, gozando de juventude e em pleno domínio de suas faculdades mentais, possa criticar a Santa Madre Igreja Católica.

Esta certeza fanática em nada difere daquela certeza dos velhos comunistas, que olhavam com desdém e piedade para quem não partilhasse de suas crenças, como se não ser comunista fosse um atestado de debilidade mental. Pois saibam estes senhores que minhas críticas à Igreja datam de quando sequer era núbil. Meu primeiro artigo publicado, saiu no Ponche Verde, pequeno jornal de Dom Pedrito, e intitulava-se "Esses padres..." Assim mesmo, com reticências. Pelo título já se pode ver que não era nenhum louvor às virtudes da Santa Madre. Eu tinha então 14 ou 15 anos. Ou seja, mal pus um pé na imprensa, já malhava os católicos.

Na época, fui chamado de arrogante. Um padre da diocese de Bagé foi chamado para acalmar-me. Discutimos um dia inteiro, esvaziando várias jarras de água. O franzino Torquemada apelou para o argumento da autoridade: quem você pensa que é para negar o que ilustres sábios da Igreja já decidiram? Eu era o Janer, ué! Um jovem de quinze anos, mas que já havia lido Voltaire e Descartes. Eu não me apoiava em nenhum Tomás de Aquino ou Santo Agostinho para entender o mundo. Apoiava-me em minha razão. Devo confessar que hoje, aos sessenta, tenho um profundo respeito por aquele menino imberbe, que enfrentou com hybris uma velha raposa da Igreja.

Publiquei mais de três mil artigos em jornais e revistas ao longo de minha vida e certamente uma boa centena deles - senão mais - são de críticas ao catolicismo. Escrevi outros tantos criticando os marxistas e petistas em geral. Considero o catolicismo uma doutrina muito mais perversa que o marxismo. O marxismo mal conseguiu emplacar sete décadas no poder. O catolicismo existe há dois milênios. O marxismo não dispensa o aparato de Estado para oprimir os cidadãos. A Igreja instala uma maquininha de tortura na consciência de cada crente, e a este delega o poder de acioná-la. Ou seja, meu caro, não é a idade - e muito menos a viuvez - que me impele a escrever o que penso dos católicos.

Segundo Lemos, o sexo, para mim,

parece ser simplesmente uma coisa, um fato fisiológico cuja repressão é um tabu e ponto final - salvo a sua intenção recorrendo às exceções: as perversidades socialmente incorretas, como a pedofilia, a necrofilia, etc. Se para ele não há critério racional para o agir sexual, restam apenas a fisiologia, na vida privada, e as convenções que estiverem de pé na data em que o artigo for escrito.

Mas que sabe este senhor sobre minha visão de sexo? Baseado em quê insinua que defendo a pedofilia e necrofilia? Jamais reduzi sexo à fisiologia. Aliás, considero que sexo é, antes de tudo, mental. Tentei ser casto nos dias em que estava preso ao leito de Procusto católico. Não deu. A carne falou mais alto. Por outro lado, porque ser casto? Só porque Roma queria? Mas que tenho a ver com Roma? Tão logo me libertei da ética vaticana - e isso aconteceu lá pelos 16 ou 17 anos - quis recuperar o tempo perdido. Me entreguei com gosto e com gula aos ditos prazeres da carne. Que, em verdade, são prazeres do espírito. Enchi meus dias de mulheres. Como o Jeová do Gênesis, olhei para minha obra e vi que era boa. Se há algo que hoje embala meus dias, além das viagens que fiz e dos livros que li, são as amigas que tive e que ainda tenho.

O articulista me acusa de nada entender em sexo. E brande os bizantinos conceitos de ágape e eros:

O que o típico velhão não consegue pegar no ar, possivelmente por falta de formação e critério, é que os impulsos sexuais não são os únicos componentes da sexualidade. Há o eros propriamente dito, e há o ágape, formas de sexualidade superiores que as civilizações mais avançadas não só conheciam como encorajavam vivamente: os gregos, os romanos, os hindus, as gentes da velha cristandade (veja os vitrais, as ordens de cavalaria, o amor cortês, etc). É uma pena que a civilização moderna tenha - após sucessivas baixas na guerra entre a cultura do homem equilibrado e a do arrasta-pé ostrogodo - descartado primeiro o ágape, com o romantismo, e depois o eros, com o ethos pós-moderno do "pansexualismo", uma espécie de ditadura da physis que obnubila as sensibilidades.

O que Lemos não diz - talvez por pudor - é que os conceitos de eros e ágape são a mais recente trouvaille de Ratzinger para justificar sua misoginia e a misoginia de seus ministros. Estão em sua primeira encíclica, Deus é amor. Como se o Deus genocida e cruel da Bíblia pudesse ser identificado com amor. Mas isto já é outro assunto.

Entende de mulher quem as conhece. Entende de sexualidade quem a vive. Que pode entender de sexo Ratzinger, que em função de seu sacerdócio está submetido a um voto de castidade? Que autoridade tem para falar em sexo quem optou, por vocação, por ser eunuco? Sexo sempre me aguçou a sensibilidade. Entendo que obnubile a dos católicos. São crentes de uma crença que cultua a dor e o sofrimento, tanto que o símbolo maior do cristianismo é um instrumento de tortura. Quanto a mim, prefiro o prazer. Melhor cultuar Príapo que o velho Deus castrado do Antigo Testamento.

Católico não sendo, não tenho razão alguma para aceitar conceitos do magistério da Igreja. É como se a encíclica de Ratzinger contivesse verdades universais, às quais todos os homens devem submeter-se. Nisto reside o espírito totalitarista de católicos e marxistas: "eu tenho a verdade e tu tens de aceitá-la". Em todo caso, se por hipótese visse alguma pertinência nas bizantinas distinções de Ratzinger, eu diria que vivi eros e ágape com plenitude. Y algunas cositas más.

"O que esses tipos não percebem - continua o cronista papista - é que há todo um universo a ser explorado na cultura ocidental no campo da sexualidade; vias perdidas e novas frentes".

Não, não perdi nenhuma via nem nenhuma nova frente. Algo contra? Ou pretenderá o articulista ditar meu comportamento na cama?