¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, abril 21, 2007
 
EMENDA DO PAPA PIOR QUE O SONETO DA IGREJA



Há mais de ano, neste blog, alertei meus leitores para uma notícia de vital importância para o gênero humano. Em dezembro de 2005, os teólogos do Vaticano se preparavam para recomendar ao papa Bento XVI o fim da idéia de limbo, o lugar para o qual vão, segundo as crenças católicas, as almas das crianças que morreram sem serem batizadas. Conforme a proposta, essas crianças iriam direto ao paraíso graças à "infinita misericórdia de Deus".

Segundo a doutrina do pecado original - comentei então - todo ser humano nasce com folha corrida. Sem batismo, nada de paraíso. Santo Agostinho considerava que os bebês não batizados iam direto ao inferno, embora tenha ressalvado que seu sofrimento seria de alguma forma mitigado. O Concílio de Cartago, do ano 418, negou a estes bebês a felicidade eterna. A Comissão Teológica Internacional (CTI) - colegiado composto de uma trintena de teólogos católicos - recomendava então abolir a noção de limbo de todo o ensino do catecismo católico. Já em outubro de 2004, Sua Santidade o papa João Paulo II considerava o tema de máxima importância e pedira à CTI que elaborasse "uma maneira mais coerente e ilustrada" de descrever, dentro da ortodoxia católica, o destino dos bebês mortos em inocência.

Mas o problema não é assim tão simples. Para os teólogos, existe um duplo limbo. Primeiro, existe o limbus patrum, para onde vão os justos, como Abraão e Moisés, que viveram antes do Cristo. Segundo, o limbus parvulorum ou limbus infantium, onde ficam os bebês mortos sem batismo. Como carregam a culpa do pecado original mas não cometeram pecados pessoais, não podem ser premiados com o céu nem castigados com o inferno. Perguntei-me na ocasião que aconteceria se a CTI liberasse o paraíso para os ocupantes do limbus parvulorum. Que seria feito do destino dos milhões de almas do limbus patrum? Todos os justos que precederam Cristo passariam a constituir um considerável contingente de sem-paraíso?

Sexta-feira passada, a CTI oficializou a nova doutrina. O limbo é mais uma dessas firulas de teólogos, que não existe nos textos primevos do cristianismo. Você pode revirar a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse e não vai encontrar uma só menção a limbo. Este lugar hipotético surge a partir da instituição do batismo. Depois que o João batizou o Cristo às margens do Jordão, este gesto se tornou sacramento obrigatório para todo cristão. Sem batismo, não há salvação. É pelo batismo que o ser humano é redimido do pecado original. E aqui já vai mais uma bíblica contradição: se Cristo nasceu sem o pecado original, por que precisaria de batismo?

O documento que oficializa a nova doutrina se intitula A Esperança de Salvação para as Crianças que Morrem sem Batismo. Foi publicado em inglês e, pelo menos por enquanto, não temos interpretação alguma disponível no Brasil do cronista tucano-católico-conservador Reinaldo de Azevedo. Segundo a CTI, o limbo representava um "problema pastoral urgente", pois há cada vez mais crianças que nascem de pais não católicos e não são batizados e "outras que não nasceram ao serem vítimas de abortos". A Igreja Católica descartou então definitivamente o conceito. Afinal, a exclusão de crianças inocentes do Céu não refletiria o amor divino e a misericórdia de Deus superaria a falta do sacramento nesse caso.

Não tive em mãos ainda o documento - nem a competente interpretação do Reinaldo - mas é de supor-se que com o limbus parvulorum vá também para as cucuias o limbus patrum. Abraão, Moisés e demais patriarcas bíblicos, penhorados, embarcam na carona e agradecem.

O limbo nunca constituiu dogma, era apenas uma posição doutrinária do catolicismo. Ocorre que os papas, a cada vez que tentam espanar a poeira dos séculos do carro da Igreja, criam mais perguntas que respostas. A emenda saiu pior do que o soneto.

Se o batismo não é necessário para a salvação eterna, para que então batismo?