¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, abril 28, 2007
 
NO REINO DOS BRUTAMONTES



No Irã, a polícia de costumes andou recentemente proibindo as mulheres de usar roupas coloridas ou deixar os cabelos expostos sob o chador. A cada verão, a polícia se incumbe de uma missão vital para a preservação dos bons costumes e do Estado teocrático persa: além de coibir cabelos à mostra e roupas coloridas, proíbe também casacos justos que mostrem as formas do corpo e calças que deixem os tornozelos à mostra. É lá deste Irã estúpido que nos chega a última aiatolice dos aiatolás. Em virtude de lei que entrou em vigor na semana passada, mesmo os manequins de lojas terão os seios cortados. Decididamente, os discípulos de Maomé não gostam de curvas. O que vale dizer: não gostam de mulheres. Pois se algo há essencialmente feminino são as curvas.

Me ocorre citar esta ode às mulheres, de um obscuro e genial cronista gaúcho, morto nos anos 70, Ney Messias. Que não achava graça alguma no corpo anguloso dos machos. Falando sobre a hipótese de um regime de matriarcado nos primórdios da história, escrevia o Ney:

Só a mulher era a fecundidade, aquela fecundidade que a terra, eterna virgem e eterna parturiente, prodigalizava em frutos e flores. Além disso, o homem anguloso, desarmônico e brutal, destoava do universo que é todo curva: lua redonda, sol redondo, marcha curva dos planetas, pedra jogada na horizontal mas sujeita à parábola da queda que é sempre uma expressão curva, curvos os frutos, harmônicas curvas as pétalas. O universo é essencialmente curvo, não só na sua curvatura visível como na invisível e doce curva do espaço descoberta por Einstein. Só mesmo um ente que é um cacho de curvas, como a mulher, poderia comandar as primeiras sociedades humanas. Depois veio o patriarcado, etapa da economia mais complexa da caça e da vegetação dominada, que se chamaria agricultura: só um brutamontes poderia dominar o mundo, e dominou mesmo. Mas dominou nominalmente, porque a mulher continuou sendo o centro de tudo: objeto de disputa, conteúdo da arte, fonte, como os astros, de contemplação. A mulher nua ou vestida era o grande templo em que oravam os olhos de quem contemplava. Os homens saíam rua em fora para olhar as mulheres, e as mulheres para serem olhadas, nunca para olhar.

Se os brutamontes um dia dominaram o mundo, no Ocidente pelo menos foram forçados a dar espaço às mulheres e suas curvas. Ocidentais, vivemos em meio a um universo curvilíneo e ninguém, em são juízo, vai afirmar que as curvas atrapalham a vida social, o comércio, a educação ou a paz. Mas o patriarcado árabe permaneceu enclausurado na época dos brutamontes. Em todo o universo islâmico, a mulher é forçada a esconder suas formas. No Irã, desde 1979, quando Khomeiny entrou em Teerã a ferro e fogo, com seus pasdarans metralhando bares e boates, as leis do país exigem que as mulheres cubram os cabelos com véus e usem roupas que escondam os contornos do corpo. O chador, que muito ocidentais confundem com outros véus islâmicos, cobre todo o corpo, deixando apenas o rosto à vista. Mas não os cabelos.

Sobre estes, escrevia o genial Ney Messias:

Entre os povos orientais o cabelo é sacrificado em mechas aos rios sagrados, assim como os primeiros cabelos dos recém-nascidos são ofertados aos deuses. É porque, de certo, dos ônus corporais, dessa imensa carga de miséria que é o corpo humano, o cabelo aparece quase como espírito, porque é multiforme como a chama ao vento, como a água revolta das ondas, como o ar que se respira.

A polícia de costumes dos aiatolás, além de ser avessa às curvas, tampouco tem apreço por esta chama quase espírito. Desde há muito defendo a tese de que o mundo islâmico é profundamente homossexual. Nada contra o homossexualismo. Mas este homossexualismo islâmico é doentio. É preciso ser muito doente para proibir as mulheres de exibirem seus encantos aos demais homens e mulheres. Segundo os jornais, mulheres estão sendo abordadas nas ruas pela polícia e, caso não aceitem mudar seu modo de vestir, são levadas à delegacia, sendo liberadas apenas após parentes ou amigos terem fornecido roupas consideradas "respeitáveis" para vestirem.

Seria interessante resgatar alguns desses manequins de seios cortados, para exibição em algum museu que se propusesse denunciar os horrores do século XXI. Que os muçulmanos são useiros e vezeiros em cortar clitóris, disto há muito sabemos. Mas cortar seios de manequins exige uma brutalidade muito maior. Não se corta a coisa, mas o símbolo dela.

Audace, messieurs les perses, toujours de l’audace. Que tal ir logo ao âmago da questão e cortar os seios das iranianas? Assim, as roupas justas perderiam pelo menos parte de seu caráter pecaminoso. A mulher sempre foi mesmo um ser obsceno. Suas curvas atrapalham o bom funcionamento do Estado. Melhor falquejar seus corpos, para que não perturbem a mente sadia dos bravos machos iranianos.