¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 24, 2007
 
ALÉM DE UNIVERSAL, AVANÇA



Uma das primeiras decepções que tive com a Europa ocorreu em Estocolmo, em minha primeira viagem. Aluguei um quarto que dava para a Karlaplan, um praça divina circular e rodeada de plátanos. A cada estação, eu tinha uma praça diferente. Hirta e branca no inverno, era dourada no outono, de um verdor histérico no verão e um festival de flores na primavera. Minha hospedeira era fru Kristensen, uma senhora de seus cinqüenta anos com mania de bailarina e pintora. "Dancei na vida como tenho dançado nos palcos", dizia-me. Na época, dedicava-se à pintura. Seus quadros, de uma mediocridade atroz, representavam invariavelmente a Karlaplan. No inverno, no verão, de dia, de noite, com neve, sem neve, mas sempre a Karlaplan. Para uma senhora na menopausa, nada melhor como laborterapia, pensei.

Certo dia, a casa foi invadida por fotógrafos, jornalistas e cinematografistas. Era uma reportagem sobre seu vernissage, iria finalmente estrear como pintora. No dia seguinte, com um ar misterioso, pediu-me que lhe trouxesse um exemplar do Dagens Nyheter na volta da universidade. Em rodapé da primeira página, a notícia em cinco colunas:

Kristensen, konstnärina med många talanger

Ou seja, Kristensen, artista com muitos talentos. Quando li que minha anfitriã ganhava espaço nobre no mais importante jornal da Suécia, um dos países mais desenvolvidos da Europa, meu apreço pela Europa caiu vários pontos de uma só vez. Quando voltei a Porto Alegre, fui entrevistado em um programa de televisão. A apresentadora, muito fútil, perguntou-me:

- Janer, que coisas lindas e maravilhosas descobriste em tua viagem?
- Eu descobri que a estupidez é universal.

A moça quase se engasgou com o microfone. Como? Que foi mesmo que descobriste? Repeti, escandindo as sílabas: "descobri que a estupidez é universal". Claro que a entrevista não durou muito. Não era isto que ela queria ouvir.

Emílio Calil me escreve:

Não pude deixar de lembrar dos teus textos sobre o "Manual de Vigarice" ao ler a notícia de que Harry Potter e a Pedra Filosofal foi eleito pelos britânicos o melhor livros dos últimos 25 anos. Tudo bem, é leitura pra crianças e ajudou muita gente a pelo menos descobrir o que é um livro, mas... o "melhor dos últimos 25 anos"?

A lista segue com O Código Da Vinci em quinto, e percebi que quase todos os livros citados são obras de ficção. Essa notícia, vinda da Europa, me faz pensar se o mundo já não foi mais culto. Ou será que nunca foi?


Parece que não, Calil. Cada cultura terá seus grandes momentos. Mas o que predomina é sempre a mediocridade. Claro que vamos encontrar mais e melhores opções de leitura em Londres, Paris ou Madri - capitais que têm um mercado editorial muito diversificado - do que no Rio ou São Paulo. Mas os harrys potters da vida sempre terão a preferência da grande massa, inculta e vulgar.

O pior é que a vulgaridade está conquistando celeremente as páginas de uma imprensa que julgávamos séria. Nos Estados Unidos, a New Yorker publicou um perfil de Paulo Coelho em oito páginas. Pelo que lembro, nem a imprensa brasileira ousou tanto.

A estupidez, além de universal, conquista cada vez mais espaço.