¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, maio 11, 2007
 
BUSH E RATZINGER, MESMO COMBATE



Um leitor diz não entender "essa tua perseguição às idéias católicas". É uma forma muito safada de desqualificar o que escrevo. Não persigo idéias católicas. Teço críticas a idéias católicas, isto sim. Da mesma forma que tenho tecido críticas a judeus, muçulmanos e marxistas. Todos estes senhores representam pensamentos totalitários, que querem submeter indivíduos e nações às suas "verdades". Tive educação católica em minha adolescência e sei bem do que falo quando falo de opressão religiosa. Felizmente libertei-me bastante cedo dos grilhões da Igreja. Lá pelos dezesseis ou dezessete anos, joguei fora de meu lombo minha fé, como cachorro que se sacode para secar-se. Desta experiência, restou em mim o repúdio a toda e qualquer tentativa de dominação das mentes através da fé.

Viesse Bento XVI em visita pastoral, para examinar a saúde de seu rebanho, confortar suas ovelhas e trazer-lhes cura espiritual, eu não me sentiria motivado a escrever uma única linha sobre sua viagem. Mas o que estamos vendo é algo bem distinto. Quem nos visita é um europeu arrogante, que se sente à vontade para ameaçar deputados de excomunhão caso votem a favor de medidas que contrariam o magistério da Igreja. Chefe de Estado - verdade que de um Estado de mentirinha - Sua Santidade se imiscuí nos assuntos de outro Estado com a nonchalance de um déspota. Parece ver no Legislativo uma espécie de casa-da-mãe-joana, ao qual basta dirigir ameaças para dobrá-lo à vontade imperial do Vaticano. Que é uma casa-da-mãe-joana, é verdade. Mas por outras razões que não as que o papa supõe.

Não bastasse esta pressão espúria sobre o Legislativo, Ratzinger quer impor ao governo brasileiro uma concordata tão ou mais obscena que o Tratado de Latrão, de 1929, pelo qual a Itália reconhecia a soberania da Santa Sé sobre o território do Vaticano. Poucas pessoas lembram hoje que o Vaticano é uma concessão do ditador fascista Benito Mussolini. Tivesse Mussolini vencido a guerra, talvez constasse da hagiografia da Igreja. Perdeu? Olvidado seja.

Ratzinger não vem ao Brasil apenas para anunciar a canonização de um charlatão, o frei das pilulinhas milagrosas de papel. Isto sempre serve para captar maior clientela. Santos são uma tentativa de amenizar o rígido monoteísmo da Igreja e multiplicar por milhares os subdeuses cristãos, para satisfazer o ancestral instinto pagão das massas. Mas as ambições de Sua Santidade são maiores. A Santa Sé quer que o Brasil torne as aulas de religião obrigatórias no ensino fundamental público, que crie mecanismos constitucionais que dificultem uma eventual ampliação dos casos de aborto legal e encontre formas de evitar que a igreja sofra ações na Justiça, principalmente trabalhistas. Há muito pároco processando as paróquias por questões trabalhistas e o Vaticano, eternamente preocupado com o eterno, abomina essas ninharias do século.

Estas negociações, confirmadas pelo cardeal Don Tarcísio Bertone, segundo homem na hierarquia eclesiástica, estavam sendo conduzidas em segredo. Se vieram à tona, foi por obra da imprensa. Com o rechaço progressivo da Europa à teocracia vaticana, Ratzinger recua estrategicamente para o Terceiro Mundo, onde a Igreja ainda encontraria espaço para sobreviver, graças à pobreza e ignorância das populações do continente latino-americano. Ignorância e pobreza constituem excelente adubo para qualquer religião.

Mas para isso é preciso torcer o pepino desde menino. Imagine o leitor se houvesse uma proposta do Kremlin para tornar obrigatório o ensino das escolas públicas no país. A grita seria geral, particularmente da parte dos católicos. Verdade que as "verdades" marxistas são mais ou menos compulsórias no ensino público brasileiro. Mas pelo menos nenhum apparatchik teve o desplante de propor uma concordata. Além do mais, o Vaticano quer foro privilegiado. Reserva-se o direito a calotes trabalhistas, sem que a vítima possa ao menos chiar. Estranha filosofia de uma religião que pretende ser defensora dos pobres.

Pior que tudo isto é o desprezo de Ratzinger à inteligência nacional. De suas afirmações, depreende-se que nos considera todos analfabetos. Sobre a teologia da libertação, diz o papa: "Agora é evidente que esses fáceis milenarismos, que prometem revoluções e também rápidas condições para se conseguir uma vida justa, estavam também errados". Sua Santidade parece confiar que nenhum jornalista saiba o que é milenarismo. No que talvez tenha razão. Mas o Brasil não é só jornalistas.

Quiliasmo, antes de ser um projeto hitlerista - vide o Reich dos Mil Anos - é uma idéia bíblica. Está no Apocalipse joanino. Com a segunda vinda de Cristo, o Dragão será capturado e acorrentado na batalha do Armagedon. Começará então o quiliasmo, um reino messiânico de mil anos de paz e justiça. Transcorridos estes mil anos, Satanás será solto e novamente derrotado. Cristo terá uma segunda ressurreição e o mundo antigo será extinto, substituído por um novo Céu e uma nova Terra.

Longe de mim defender a Teologia da Libertação. Mas estes teólogos marxistas são homens cansados com a espera dos mil anos e querem o novo Céu e a nova Terra amanhã, de preferência amanhã de madrugada. Ratzinger, ao definir a Teologia da Libertação como milenarismo fácil, não entendeu bem a Bíblia (o que venho desconfiando há tempos), nem a Teologia da Libertação. E confia na incultura nacional para vender seu peixe.

Não bastasse sua incultura bíblica, Bento XVI, em seu encontro com jovens católicos no estádio do Pacaembu, exortou-os a não desperdiçar sua juventude e a seguir os mandamentos da Igreja, principalmente o do matrimônio. Pediu que mantenham a castidade dentro e fora do matrimônio. "Respeitai-o, venerai-o. Ao mesmo tempo, Deus vos chama a respeitar-vos também no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está destinada aos casados é somente fonte de felicidade e de paz na medida em que souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte das vossas esperanças futuras”.

Como João, está pregando no deserto. A juventude contemporânea pode até se dizer católica, por espírito de rebanho. Mas não renuncia ao sexo. No Brasil há milhões de adolescentes grávidas. Como ninguém engravida por sua própria obra, estes milhões de jovens com vida sexual ativa devem ser multiplicados por dois. Isso sem falar nos que tomam precauções, cujo número deve ser bem maior. O papa, no fundo, está afirmando que se um homem ou uma mulher optam pelo celibato, ou não encontram seu par, ambos estão condenado a privar-se de sexo. Fala ainda de uma castidade dentro do matrimônio. Seria melhor explicar o que isso quer dizer. Pretenderá Sua Santidade, como pretendiam os teólogos da Santa Inquisição, que determinadas práticas sexuais são proibidas entre dois cônjuges?

Ao que tudo indica, o papa entusiasmou-se com a política puritana do presidente americano e a quer difundir aos quatro ventos. Bush quer transformar os Estados Unidos numa nação de masturbadores. Ratzinger é mais ambicioso, quer transformar a Terra num planeta de masturbadores. Com uma diferença a favor de Bush. O presidente americano prega a castidade para seu país. Ratzinger vem pregá-la em pátria alheia.

Que os gerontes misóginos do Vaticano cultivem a castidade, nada contra. Que venham condenar o prazer em um país nos trópicos é uma insolência revoltante.