¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, maio 18, 2007
 
CONY ARROTA FALSA ERUDIÇÃO



Comentei há pouco o ensaio Como falar de livros que não lemos?, de autoria de Pierre Bayard, psicanalista e professor da universidade Paris VIII. O livro nem chegou ainda no Brasil, mas Carlos Heitor Cony tem demonstrado sobejamente, em suas crônicas, ser mestre no assunto. Em artigo publicado na Folha de São Paulo desta sexta-feira, intitulado "Elis Regina e a castidade", escreve:

Não parece, mas, a julgar pela perplexidade de grande parte da mídia provocada por alguns pronunciamentos do papa na sua recente visita, Bento 16 teria inventado a castidade ao pedir que os jovens aguardassem o casamento para iniciar a vida sexual.
Num comentário feito na CBN, no dia seguinte à declaração do papa, tive a audácia de lembrar que o preceito da castidade vem lá de trás, do decálogo que Moisés, séculos antes de Cristo e de Bento 16, trouxe do monte Sinai, sendo o sexto dos dez mandamentos que procuraram dar uma ordem mais social do que religiosa não apenas ao povo hebreu que fugia da escravidão no Egito mas que passou ao judaísmo e foi absorvido integralmente pelo cristianismo.
Recebi e-mails furibundos de ouvintes estarrecidos pelo fato de lembrar um mandamento que, junto com os outros nove, tentaram formar a civilização ocidental. Não matarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho, honrarás pai e mãe, não pecarás contra a castidade, não desejarás a mulher do próximo (por sinal, dois dos mandamentos da legislação de Moisés referem-se ao mesmo assunto).


Mesmo tendo sido seminarista, Cony parece jamais ter lido a Bíblia. Os mandamentos que enumera são a versão que a Igreja produziu para seu catecismo. Os catecismos são livros elementares de instrução religiosa, organizados em perguntas e respostas, para uso dos catecúmenos e das crianças que se preparam para fazer a primeira comunhão. Pouco ou nada têm a ver com a Bíblia. Nesta, o conceito mais próximo de castidade que encontramos é adultério. "Não adulterarás". Cony fala em "não desejarás a mulher do próximo", como se o pecado consistisse apenas em desejar a mulher do próximo. Não é. O mandamento é bem mais abrangente: "Não cobiçarás a mulher do teu próximo; não desejarás a casa do teu próximo; nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo". Reduzir este preceito ao desejo da mulher do próximo é conferir-lhe uma característica exclusivamente sexual, que o preceito não tem.

O irônico é que o cronista começa seu artigo ironizando a incultura dos universitários:

NÃO FAZ muito tempo, fiz parte de uma comissão julgadora de textos universitários sobre história e escrevi uma crônica a respeito. Para 90% dos trabalhos apresentados, o mundo teria começado a partir de Elis Regina. Antes dela, havia um espaço nebuloso, uma zona gasosa como nos primeiros séculos da galáxia da qual a Terra foi formada.

O roto ri do rasgado. Se para os universitários o mundo parece ter começado a partir de Elis Regina, para Cony o velho Jeová já antecipava os textos catequéticos da Igreja Católica. Ora, o Celipotente jamais falou em castidade. Diga-se de passagem, a palavra castidade não existe na Bíblia. Nem no Velho, nem no Novo Testamento. Se Cony os tivesse lido com atenção, saberia disso. Se não sabe, é porque não leu e agora arrota falsa erudição.