¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, maio 28, 2007
 
DORMIR E MENTIR



Acabo de ver, no Jornal Nacional, o senador Renan Calheiros defendendo-se das acusações que respingaram da operação Navalha. O cerne de sua defesa consistiu em insistir que pagou as despesas da filha de três anos com a jornalista Mônica Veloso com recursos próprios. A última edição da revista Veja o acusa de ter estas despesas pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da construtora Mendes Júnior.

Não entendi mais nada. Se a filha do presidente da República pode ter sua estada em Paris financiada por uma sócia-proprietária da Andrade Gutierrez, a empreiteira que doou milhões de dólares às campanhas eleitorais de Paulo Maluf, Orestes Quércia e Fernando Collor nos anos 80, que inconveniente existe em que o presidente do Senado tenha suas despesas com a Outra pagas pelo preposto de outra grande empreiteira?

Ou ninguém mais lembra que Lurian, a filha de Lula, passou seis meses em Paris às expensas de Marília de Andrade, filha de um dos donos da Andrade Gutierrez? Marília financiou inclusive uma plástica para Lurian. O próprio Lula não morou durante nove anos numa casa do compadre empresário Roberto Teixeira sem pagar aluguel? Espanta constatar que o senador Renan Calheiros não utilizou este notável precedente em sua defesa. Estivesse eu na berlinda, singelamente argumentaria: "se o presidente da República pode, por que não posso eu, presidente do Senado?"

O senador Calheiros, que parece ter um xodó pelas proparoxítonas, depôs com a presença em plenário de sua mulher Verônica, artista plástica e colecionadora de orquídeas. Pediu desculpas à Verônica. Segundo sua assessoria, encarregava o amigo Gontijo para "manter discrição sobre o caso" com Mônica. Em bom português, mentia para a mãe de seus filhos.

Se há outra coisa que não consigo entender neste mundinho é como pode um homem - ou uma mulher - mentir para a pessoa com quem partilha a cama. Dormir ao lado de alguém é ato de extrema confiança. Ao dormir, a pessoa está completamente entregue à outra com quem dorme. Honestamente, confesso não entender como pode alguém mentir à pessoa com quem divide mesa, cama, teto e afagos. Sei que essa é a regra dos matrimônios. E por isso mesmo não tenho maior apreço pela instituição. No fundo, uma mentira a dois, sabida, tolerada e alimentada por sórdidos interesses mútuos.

Se o senador Calheiros mentia para sua própria mulher, imagine o leitor o que não terá mentido para seus eleitores. Quando uma testemunha é flagrada em mentira em um depoimento, seus depoimentos posteriores ficam eivados de inveracidade. Ao admitir em pleno Congresso sua mentira conjugal, toda a defesa do senador não vale um vintém furado.