¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, junho 14, 2007
 
DOIS LUMINARES DA MACKENZIE



Dois luminares das ciências jurídicas tupiniquins, os advogados Ives Gandra da Silva Martins - advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra - e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral - mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e mestre em educação pela USP, professor de direitos e garantias fundamentais da Universidade Mackenzie e presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP - reuniram hoje suas sapiências e títulos para proferir bobagens em espaço nobre da Folha de São Paulo. O besteirol se evidencia já no título:

ESTADO LAICO NÃO É ESTADO ATEU E PAGÃO

Os notabilíssimos jurisconsultos, apesar de já avançados em idade, demonstram ainda não ter entendido o que seja ateísmo e paganismo, a ponto de os tomarem como sinônimos. Se esta sinonímia não fica bem clara no título, os autores a reforçam no corpo do artigo:

"Essa percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível à elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa nem desrespeitem a profunda religiosidade dos brasileiros. Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado laico e um Estado ateu ou pagão, que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder".

Com a arrogância de um Torquemada, os titulados professores estendem a todo universo a jurisdição de uma crença que está longe de ser universal. Deus existe para aqueles que nele crêem, e não para o mundo todo. Por outro lado, se o século passado viu Estados que fizeram do ateísmo profissão de fé, nunca tivemos notícias de um Estado pagão. Sem falar que o paganismo nunca negou a existência de deus algum. Pelo contrário, os pagãos tinham muitos deuses. Deuses que nunca interferiram na vida do Estado e - o que é mais importante - nunca se imiscuíram na vida dos mortais. Exceto quando alguma mortal mais atraente lhes provocava a libido. Desciam então de sua morada para folgar com as terráqueas. Mas em momento algum ditaram leis ou pregaram moral. Isso de meter-se nos assuntos cá da terra é coisa do deus tosco e bruto do Antigo Testamento.

A seguir, demonstrando uma miopia histórica de grau avançado, os eméritos juristas tomam as árvores pela floresta e consideram que a falência do socialismo é decorrente da ausência de Deus:

"Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados dos sistemas marxistas e dos capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de realidade e, em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: só quem reconhece Deus conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parênteses".

Em suma, os sapientes articulistas insultam a inteligência de quem quer que não creia em Deus. Segundo este raciocínio, nós, ateus, desconhecemos a realidade e a ela não podemos responder de modo adequado e humano. Seremos monstros morais? Estes senhores, travestidos de humanistas, em verdade demonstram uma intolerância digna de fazer inveja aos inquisidores da Santa Madre Igreja Católica. Por outro lado, os acontecimentos do final do século passado deixaram bem claro que o comunismo afundou não em virtude da ausência de Deus, mas em decorrência da falta de liberdade econômica e de expressão. Os Estados comunistas pretenderam revogar por decreto as leis do mercado e só poderiam acabar como acabaram, falidos. Deus não faz falta alguma a economias prósperas, o Ocidente capitalista que o diga. Só um fanático poderia afirmar que é a idéia de Deus que sustenta o bem-estar dos Estados Unidos, Canadá ou Europa.

Não por acaso, estes dois senhores lecionam na universidade presbiteriana Mackenzie, da qual tenho algumas informações. Ao longo de toda sua vida, minha mulher trabalhou com legislação. Uma vez aposentada, passou a dar consultoria, sem ter diploma de Direito. Considerou que seria melhor obtê-lo, para poder assinar petições. E decidiu fazer o curso de Direito da Mackenzie. Eu a adverti que ela não o suportaria três meses. Ela elaborava pareceres em um Conselho Fiscal em Brasília, pareceres que geravam legislação, e não iria agüentar o beabá do Direito. Ela insistiu, fez vestibular e decidiu-se a freqüentar o curso. Pois bem: não esquentou banco por mais de três dias. Eu havia superestimado sua capacidade de tolerar a mediocridade.

Na primeira aula de Direito Constitucional, um decrépito professor perguntava a seus alunos:

- O direito é uma emanação da so.. da so...?
Ninguém conseguia terminar a frase.
- Da socie... da socie...?
Os alunos, demonstrando invulgar inteligência, responderam em coro:
- Da sociedade!!!
- Muito bem - disse o professor, com um sorriso beatífico. - Ao direito dos costumes, costumamos chamar de Direito con... Direito con...?
Silêncio total.
- Direito consue...? Consue...?
Silêncio ainda mais espesso.
- Consuetu...? Consuetu...?
Nada feito.
- Consuetudi...? Consuetudi...?
Muito menos. O brilhante professor exclamou então com um sorriso sapiente na face, sorriso de quem detém o saber:
- Consuetudináááááário!!!

Foi o terceiro e último dia de curso de minha mulher. Preferiu continuar dando consultoria sem diploma algum. Que Ives Gandra da Silva Martins e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral exponham suas estultícies a um alunado assim analfabeto, entende-se. Talvez até passem por doutos e eruditos. Daí a explanar tais bobagens em página nobre de um jornal como a Folha, só depõe contra o jornal e demonstra intolerância e indigência intelectual.