¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 25, 2007
 
MAIL DO QUAGLIO



Recebo do leitor Humberto Quaglio:

Prezado Janer,

Saudações,

Mais uma vez escrevo para parabenizá-lo por mais um excelente texto, "Os Ateus estão chegando", em seu blog. Além de ser seu leitor, sou ateu, e, mesmo já tendo lido suas críticas aos "ateus militantes", vejo em você alguém que contribui bastante para a causa do ateísmo, mais até do que aqueles ateus engajados em propagar suas convicções. Bem, nem sei se ateísmo pode ser chamado de "causa". Para os militantes, certamente é.

Não quero parecer um leitor chato, mas há um detalhe no texto que chamou minha atenção, e que merece correção: você mencionou Nietzsche, Voltaire e Bertrand Russell como os escassos autores ateus aos quais teve acesso. Voltaire não era ateu. Outros célebres pensadores de sua geração, como Diderot e d'Holbach, eram ateus, mas Arouet não. Voltaire é uma das personagens da história da humanidade que eu mais admiro. É para mim um daqueles que alguns costumam chamar de "heróis intelectuais", uma mente livre, independente, e é para mim o exemplo maior de pessoa que teve a coragem de ser anticlerical em uma época em que a Infame, como ele chamava a Igreja de Roma, ainda tinha poder suficiente para arruinar ou mesmo tirar a vida de seus opositores. No entanto, Voltaire era teísta, e inclusive expõe sua opinião sobre os ateus em seu Dicionário Filosófico. Infelizmente, estou escrevendo este e-mal no escritório, e meus exemplares do Dicionário (tenho três edições diferentes) estão em casa. Mas, se não me falha a memória, no verbete sobre os ateus, Voltaire expõe a prática do clero, muito comum em seu tempo, de acusar seus inimigos de serem ateus, mesmo quando estes apenas divergiam quanto a detalhes insignificantes em questões teológicas. Voltaire, se não me engano, reconhece a coragem deles, mas defende a idéia de que estão em erro ao pensar que não existe uma divindade.

Sou ateu, e pode parecer uma contradição o que vou afirmar, mas admiro Voltaire pelo seu teísmo. Entre os religiosos (principalmente pelos católicos e especialmente pelos jesuítas), Voltaire era visto como um inimigo terrível, principalmente depois do caso Calas. No entanto, entre os ateus como d'Holbach e Diderot, seu teísmo provavelmente também era criticado. Para mim isto demonstra independência e destemor intelectual.

Gostei da menção às crises de histerismo causadas por Dawkins entre os teístas. Logo lembrei-me dos artigos do Olavo de Carvalho atacando o biólogo. Obrigado pela dica sobre o novo livro do Dennett. Não sabia que estava sendo publicado no Brasil. Se você não leu, recomendo A perigosa Idéia de Darwin. É excelente. Acho que o próprio Voltaire se tornaria ateu se tivesse nascido em nosso tempo, e se tivesse lido Dennett e Dawkins.

Um grande abraço.


Gratíssimo, meu caro Quaglio. De fato, meus dedos pairaram um segundo sobre o teclado ao incluir Voltaire como ateu. Sim, eu sabia de seu teísmo. Seja como for, não é de todo errado situá-lo como ateu, já que sua crença em algum deus não implicava nenhum culto ou reverência. Além do mais, foi um dos escritores que com mais bravura se opuseram à Infame.