¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, junho 10, 2007
 
HONRA E GLÓRIA
A AUNTY MAIDUGURI



Não sei se o leitor já leu livros como OS Kama Sutra, O Jardim das Delícias, ou As Mil e Uma Noites. Foram livros que embalaram minha juventude. Os Kama Sutra têm dezoito séculos e são uma compilação da artes amatórias, feita por um obscuro estudante hindu de religião, o jovem Vatsyayana, que disserta sobre as diferentes posições e técnicas sexuais. O Jardim das Delícias é sua versão árabe, escrita pelo xeique Nefzaui, entre os anos de 1349 e 1433. São obras de um erotismo elegante e bem-humorado, nada a ver com a pornografia vulgar dos dias que correm.

As Mil e Uma Noites, destas todos ouvimos falar. Obra universalmente conhecida, são mil uma histórias imbricadas umas nas outras, narradas em árabe por Sherazade, a persa, ao rei Schahriar. O fio que conduz as narrativas é singular. O rei Schahriar descobre que sua mulher o havia traído, e que tal fato também ocorrera com seu irmão Shahzamán. Para que isto nunca mais se repita, dispõe que dali para a frente passará todas as noites com uma virgem, filha de algum de seus súditos, e a mandará matar na manhã seguinte. Este tributo é interrompido por Sherazade, que sabe despertar o interesse do rei contando uma história. O rei, para escutar o final, remete a execução para o dia seguinte. Mas na noite seguinte Sherazade insere uma outra história inacabada, e assim se passam mil e uma noites, ao final dos quais a persa já tem três filhos com o rei Schahriar. E um livro cheio de erotismo e violência, onde a mulher não é exatamente a árabe submissa de nossos dias, mas também guerreira e combatente de valor.

Antes de ir adiante, atenção: minha edição em espanhol das Mil e Uma Noites está publicada em três volumes de mais de 1.400 páginas cada um. Não é livro para comprar por impulso, nem para ser lido linearmente. Quando quero mergulhar naquele universo, leio ao azar um ou mais contos. Claro que ainda não li todos os relatos.

É espantoso ver como estas civilizações, tanto a árabe como a hindu, que cantaram desbragadamente os prazeres do sexo, se transformaram com o correr do séculos em sociedades repressivas, onde determinadas práticas constituem crime e podem ser punidas inclusive com a morte. O homossexualismo, por exemplo. Custa acreditar que em pleno século XXI dezenas de países punam com rigor as práticas homossexuais.

Leio nos jornais que na outrora sensual Índia, as relações homossexuais são até hoje consideradas crime e podem ser punidas com até dez anos de prisão. A lei não acompanha os costumes. Mas algo está mudando. No primeiro domingo deste mês, ocorreu o primeiro festival gay do país, que reuniu três mil pessoas. Um punhado de gatos pingados, se compararmos com a Parada Gay que hoje percorreu as ruas de São Paulo, com três milhões de participantes, segundo seus organizadores. A polícia fala em um milhão. De qualquer forma, uma mostragem significativa. Segundo um dos organizadores do evento na Índia, "este festival seria inimaginável há cinco anos. As coisas mudaram muito".

Em maio passado, mais de 300 mil transexuais se reuniram na região de Tamil Nadu, no sul do país para o Festival de Koovagam. No caso, os "aravanis" (como são chamados no país) vão todos os anos ao único templo a eles dedicado na Índia e aproveitam para prestar homenagem a seu deus protetor, Koothandavar, que se casou com Vishnu depois de adotar a forma de mulher.

Mesmo os países socialistas, antes tão pudicos em matéria de sexualidade, estão se tornando mais tolerantes. Também em maio passado, os gays tentaram organizar seu festival em Moscou, na Praça Vermelha, sob protestos dos católicos ortodoxos e bastonadas da polícia. Homossexuais desfilando no coração do comunismo, na Nova Jerusalém socialista! A múmia de Lenin deve ter ruborizado em sua tumba. Mais de 70 pessoas foram presas. O prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov proibiu a marcha porque o homossexualismo "não é algo natural e causaria ultraje na sociedade", posição compartilhada por grupos cristãos e muçulmanos. E disse que não permitirá um evento do gênero enquanto estiver no cargo. A bem da verdade, a homossexualidade foi descriminalizada há 13 anos na Rússia.

A austera Cuba de Castro também parece marchar no mesmo sentido. Se um dia Cuba puniu os homossexuais com confinamento em campos de trabalho, hoje aceita os travestis como as demais pessoas. Curiosamente, a grande defensora dos homossexuais na ilha é Mariela Castro, 44 anos, filha de Raul Castro. Os travestis estão recebendo treinamento como conselheiros de Aids no Centro Nacional de Educação Sexual, que é dirigido por Castro. Embora o homossexualismo ainda seja proibido nas Forças Armadas, os camaradas travestis abordaram os relacionamentos que alguns deles mantinham com soldados. "Talvez aconselhamento nos quartéis seja necessário", disseram. A ortodoxia cede.

Mas a melhor e mais insólita notícia que os jornais me trazem veio da islâmica Nigéria. Em abril passado, um grupo de cinco lésbicas fugiu do país depois que uma delas se casou com as outras quatro, contrariando os preceitos da Sharia, a lei islâmica.

Aunty Maiduguri e suas quatro esposas teriam fugido para um lugar desconhecido no dia seguinte ao casamento. O grupo Hisbah, de voluntários que fiscalizam o cumprimento da Sharia, disse que o casamento foi inaceitável. Para que o exemplo não vingue, o teatro onde a cerimônia ocorreu, na cidade de Kano, foi demolido por ordem das autoridades.

Aunty, além de coragem, deve ter senso de humor. Afinal, o Islã aceita que um homem se case com até quatro mulheres, desde que tenha condições de sustentá-las. Por analogia, Aunty concluiu que tinha o mesmo direito. Seu gesto, no infame universo islâmico, me soa mais ou menos como as palavras de Lúcifer: non serviam.

Toda honra e toda glória a Aunty Maiduguri.