¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, junho 21, 2007
 
SOBRE MALAS E VIAGENS



Sabrina, amiga de Orkut, ficou intrigada com minha maletinha de viagem. "Como assim, Janer, maletinha de seis quilos? Me ensina como levar pouca bagagem?"

Mistério algum, Sabrina. O que é necessário para uma viagem de trinta dias? A meu ver, dois pares de calças, um no corpo, outro na mala. Cinco camisas, digamos. (Em verdade, sempre sobra uma ou duas que acabo não usando). Quando sujam, se manda lavar no hotel. Uma boa idéia é levar blusas que não precisem ser passadas, a gente mesmo lava no quarto. Meias, cuecas, creme dental, escova. Sapatos, levo sempre um par só, nos pés. Se for inverno, uma parca ou sobretudo, já no corpo. E nada mais. Para mulheres, considerados os shampoos e cremes da vida, até que concedo um quilo a mais. A propósito: jamais viaje com sapatos recém-comprados. Podem estragar sua viagem. Sapatos, além de serem leves, devem ser sovados. Os melhores sapatos para viajar são aqueles recomendados para diabéticos. Houve uma época em que só havia uma linha destes sapatos no país, o Opananken. Agora há muitas opções.

Há mulheres que, por uma questão de vaidade - questão das mais legítimas! - não gostam de ser vistas com a mesma roupa todos os dias. Ora, numa viagem, exceto os funcionários do hotel em que você se hospeda, dificilmente alguém a verá duas vezes com a mesma roupa. Raramente revemos alguém em uma viagem. Não tema: suas roupas sempre serão únicas para quem a vê. Pois você não vai ser vista de novo. Quando viajamos, não viajamos para desfilar guarda-roupas. Claro que em hotéis de luxo extremo seria conveniente um guarda-roupa mais incrementado. Mas estes hotéis nunca estiveram em meu roteiro. Não vejo por que gastar uma fortuna só para dormir.

Com minha Baixinha, nunca tive conflitos com malas. Ela geralmente levava dez quilos, o que me parece permissível. Outras vantagens da mala pequena: você pode levar no interior do avião, sair com ela na mão e ganhar pelo menos uma hora no aeroporto, sem ter de esperar a descarga de bagagens. Como todos os aeroportos da Europa têm trem, ônibus ou metrô até a cidade, pode-se economizar o preço de um táxi. Carregar malas imensas em corredores de metrô ou nas ruas não é programa recomendável a quem viaja por lazer. Isso sem falar que, se você quiser curtir os trens da Europa, verá o quanto dói uma mala grande. Se você gosta de comprar em viagens, é simples. Compre mais uma mala para voltar. Dispensável dizer que sempre é bom deixar as compras para a última escala da viagem.

Meu único conflito são as óperas. Claro que você não será barrado se entrar de jeans num teatro. Já fiz isso. Mas me sinto desconfortável em meio aos pingüins de black tie. Seja como for, não admito sobrecarregar minha mala com mais três ou quatro quilos de um terno. Compro então os DVDs e curto as óperas chez moi. Neste sentido, adorei Nova York. Nada de pompa nos teatros de ópera.

Sem minha Baixinha adorada, tenho tido conflitos com minhas atuais companheiras de viagem. Não lhes passa pela cabeça viajar com menos de vinte quilos. Em fevereiro passado, viajei com duas amigas gaúchas. Uma delas, antes de partir, deixou sete quilos aqui em São Paulo. Mesmo assim levava uma mala absurda. Três casacos pesados, dois pares de botas, sei lá quantos de sapatos. Para que três casacos ou dois pares de botas em uma viagem, meu Deus?

Outro detalhe que o marujo de primeira viagem desconhece é que o inverno europeu é menos frio que o brasileiro. Todos os ambientes têm calefação. Não invente de levar grossas blusas de lã, você vai viver em uma eterna sauna. A temperatura interna dos hotéis, cafés e restaurantes está sempre acima dos 22, 23 graus. Ônibus ou metrô, idem. Cá no Brasil, basta o termômetro cair um pouco e tiritamos de frio nos bares, que não estão preparados para o inverno. Outro detalhe: quando lá fora faz zero ou menos graus, a primeira providência ao entrar em um bar é tirar logo o casacão. Se não tirá-lo, você vai bater dentes ao enfrentar de novo a rua. Uma das coisas que adoro na Europa é tomar uma cerveja gelada em um café, enquanto do outro lado da vitrine a neve cai com gosto. Só em um clima assim os cafés assumem sua condição de útero quentinho, de abrigo e proteção a quem foge da intempérie. Mal se atravessa uma porta, o frio se transforma em apenas paisagem.

Em matéria de proteção contra o inverno, a cidade que mais me surpreendeu foi Montreal. Tem 25 quilômetros de ruas subterrâneas, com todos os serviços de uma cidade: bares, restaurantes, bancos, escolas, hotéis, comércio, etc. Lá em cima, pode fazer –30°, como não é raro acontecer. Nos subterrâneos, vive-se em clima de eterno verão. Em suma, quando viajar para o inverno no Primeiro Mundo, não se preocupe em levar roupas internas quentes. Camisas leves bastam. O que deve ser quente é o casaco. Claro que estou falando em invernos civilizados, urbanos e humanos. Se você for para a Sibéria ou para os pólos, esqueça tudo o que eu disse. Para o Sahara também. O deserto é um país frio que aquece durante o dia. Quinze graus negativos é uma temperatura normal na noite sahariana.

Bom mesmo é rumar às ilhas gregas. Neste caso, deixo no último hotel todo meu "excesso" de bagagem. Para o Egeu a fórmula é uma só: mochila, dois pares de bermudas, duas ou três camisetas e um par de tênis. Com menos de três quilos está resolvida a questão bagagem.

Não suporto a idéia de viajar só. Não tem graça alguma percorrer ruas e arquiteturas, fazer uma bela refeição e tomar um bom vinho, sem ter com quem compartilhar estes bons momentos da vida. Como companheiros de viagem, excluo de cara boa metade da humanidade, a metade masculina. Viajar há de ser com mulher. Fazer e receber cafuné torna mais alegre qualquer viagem. É bom que ela conheça pelo menos duas ou três línguas além da própria, ou perderá muito da viagem. O que já reduz mais um pouco minhas eventuais companheiras. Melhor que não fume, pois o Primeiro Mundo é hoje tremendamente hostil ao fumante. Depois da partida de minha Baixinha, a cada ano busco alguém com quem partir. O nó górdio são as malas. Pois de nada me adianta viajar com seis ou oito quilos, se minha parceira viaja com vinte. Terei de enfrentar a espera das bagagens no aeroporto, eventuais revistas em aduanas, corredores de metrô. A outra mala, a dela, me atrapalha.

Neste sentido, toda honra e toda glória a uma de minhas sobrinhas diletas, com quem viajei há dois anos. Conseguiu partir com apenas oito quilos. Minha filha já está conseguindo quinze, dezesseis. Precisa ainda sofrer mais um pouco para chegar ao entendimento.