¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 14, 2007
 
CIDADE PEQUENA NÃO VALE A PENA



A brutal e estúpida agressão a uma empregada doméstica no Rio de Janeiro inundou as páginas dos jornais nas duas últimas semanas e provocou indignação nacional. Não era para menos. Uma malta de filhinhos de papai, sempre escorada pelos pais quando cometem barbaridades, demonstrou extraordinária valentia espancando uma moça indefesa numa madrugada deserta. O pai de um dos animais apressou-se em defender a cria: "Não vai ser justo manter crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham, presos".

O crime, além de revelar a certeza de impunidade das ditas elites do país, revela um outro aspecto da imprensa nacional. Na madrugada do dia 21 de junho passado, dois dias antes do espancamento da doméstica Sirlei no Rio de Janeiro, um crime brutal - e mais grave porque resultou em morte - foi cometido na distante Dom Pedrito, cidadezinha gaúcha lá na fronteira com o Uruguai. O crime teve motivação estúpida. No dia anterior houvera um jogo de futebol entre o Grêmio Porto-Alegrense e o Boca Juniors, de Buenos Aires, pela taça Libertadores da América. O Boca derrotou o time gaúcho e levou o campeonato.

Um negrinho, que habitualmente vivia embriagado, saiu às ruas com uma bandeira do Internacional, para desafiar os gremistas. Seis marmanjos, entre os quais cinco são de famílias ricas da cidade, espancaram o coitado até a morte. A surra foi tão violenta que a vitíma teve o rosto desfigurado. Apesar de Dom Pedrito ser uma pequena cidade de quarenta mil habitantes, os criminosos, todos conhecidos pela população, só foram presos seis dias depois. Talvez até mesmo em virtude da repercussão televisiva da agressão à doméstica Sirlei.

O crime, muito mais hediondo que o do Rio, não mereceu sequer uma linha nos grandes jornais do país. Li uma nota no Estadão on line, e só. Para o jornalismo do centro, crime em cidade pequena, por cruel que seja, não merece maiores atenções.