¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, julho 26, 2007
 
GIGOLÔS INVESTEM EM TRAGÉDIA




Uma boa tragédia sempre pode render dividendos. Medo sempre gera lucro. Em entrevista ao UOL News, o psiquiatra Luiz Vicente Figueira de Mello, do Instituto de Psiquiatria da USP, explica o que fazer para enfrentar o medo de voar e dá dicas para quem sofre com esse problema. Quais são suas dicas?

"Você deve fazer um tratamento de terapia comportamental, que é expor a pessoa ao objeto do seu medo, para aos poucos ir dessensibilizando o medo".

"O pânico é um outro transtorno. São crises de medo que ocorrem independente de onde você está. Isso se trata com remédios antidepressivos. Nesse caso, é bom procurar um médico para poder voar sossegada".

"Isso é um quadro fóbico desencadeado por um fato real ou imaginário. E se dá por meio de uma predisposição biológica. Precisa ser tratado, investigado, pois a pessoa pode começar e ter crises constantes. Procure um psicólogo".

"É uma claustrofobia, não só um medo de avião. Evitar não é o certo, mas enfrentar gradualmente. Se possível, tutorada por um profissional. É o que chamamos de terapia de exposição, na qual as pessoas vão aprendendo a dominar o medo".

Isto já aconteceu no auge da onda de seqüestros em São Paulo. Na época, não faltaram gigolôs dos medos humanos para dizer que era necessário buscar um analista, psicólogo - ou psicanalha que o valha - para eliminar o medo a seqüestros. Como se, uma vez eliminado o medo ante o fato, como por encanto o fato sumisse.

Falei outro dia do medo de voar que me acometeu há alguns anos. Não procurei médico algum. Só que o faltava procurar médicos para superar o medo. Medo é sentimento personalíssimo, intransferível, que não tem cura com conversa fiada. Meu recurso inicial foi beber. Se não conseguia escapar da fatalidade de voar, empinava uma garrafa de uísque antes do vôo. Não é uma solução. Mas é melhor que ouvir blá-blá-blá de terapeutas. Anestesia e você entra no avião sorrindo. Se tiver de morrer, morre também sorrindo, como peru de Natal.

O medo, em verdade, é outro. É o de morrer. O avião acrescenta um ingrediente mais complicado, você se sente completamente indefeso. Ante a perspectiva de um acidente de carro, conforme as circunstâncias, você tem a possibilidade de poder reagir de alguma forma, tentar safar-se. Talvez não consiga, mas pode tentar. No avião, não. Você está nas mãos do piloto. Só lhe resta rezar, se por acaso tiver fé. Lula, por exemplo, diz entregar-se a Deus quando entra em um avião. Vai ver que andou subornando até mesmo o Altíssimo, pois este senhor já matou muita gente boa e nem mesmo se diverte dando ao menos um susto em quem merece.

Meu medo de voar me acometeu por fatores irracionais, como praticamente todos os medos. Faz parte do medo ser irracional. Eu estava aterrissando em Ghardaia, uma wilaia da Argélia situada no meio do deserto. O comandante mandou atar cintos e preparar-se para a aterrissagem. Foi o que fiz. Só que não via aeroporto algum. O avião estava a menos de cinco metros do solo e eu só via areia. Apertei firme a mão de minha Baixinha e disse para mim mesmo: “é hoje!”

Não era. O aeroporto era assim mesmo, uma pista de asfalto que surgia de repente em meio ao areal. Fosse ou não fosse minha vez, passei quatro anos apavorado ante a perspectiva de voar. Quando descobri que meu medo não era de voar, mas de morrer, tratei de tratar deste último medo. Medo de morrer é muito de jovem. Com a idade, vai passando. Joguei fora este medo e hoje entro em qualquer avião sem medo algum. Se tiver que acontecer, que aconteça. Provavelmente será rápido e isto é muito bom.


Você tem medo de voar? Deixe então de voar. Ou enfrente você mesmo seu medo. Não serão os gigolôs das angústias humanas que o curarão, mediante paga, desse medo. Fuja de terapias. Admita que morrer faz parte da vida e pode acontecer amanhã, ou até hoje, mesmo que você tenha os pés solidamente fincados no solo.

Admitido isto, embarque... e boa viagem.