¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 14, 2007
 
O ARQUITETO CEGUINHO



Falando dos jornalistas que vão entrevistá-lo, escreve Oscar Niemeyer na Folha de São Paulo de amanhã:

Raramente algum deles resolve contestar-me: "E no mundo socialista que vocês propõem, o que vai acontecer?" É claro - respondo - que a vida seja mais justa, as habitações serão mais modestas, mas as escolas, as universidades, os grandes empreendimentos humanos - os hospitais, os estádios, os cinemas, os teatros, os museus, os centros culturais - serão mais importantes, porque deles todos participarão. E o homem será mais simples, mais humano, curioso à procura da verdade de sua própria existência, de sua origem tão longínqua que até uma ameba poderá explicá-la. Perplexo diante do futuro, que nada de bom oferece, mas a sonhar com o progresso da ciência, com as viagens interplanetárias que enfrentam as distâncias mais fantásticas.

Niemeyer deve completar um século de existência no final deste ano. Atravessou praticamente todo o século passado. Tinha dez anos quando eclodiu a Revolução Russa. Antes de completar os vinte, Lênin já praticava seus massacres e criava os primeiros gulags da União Soviética. Não havia chegado aos trinta quando surgiram na Europa as primeiras denúncias das purgas stalinistas. Acompanhou a expulsão de cientistas para a Sibéria quando o agrônomo Lyssenko pretendeu que os gens obedecessem às leis da dialética marxista. Teve notícias das perseguições a escritores e artistas organizadas por Zdanov. Tinha 42 anos quando Kravchenko provou ante todo o mundo a existência dos gulags e as atrocidades do regime comunista. Tinha 49 anos quando Kruschev denunciou os crimes stalinistas, em seu "Informe Secreto", durante o XX Congresso do PCUS. Foi testemunha dos massacres de Mao TseTung, desde 1949, quando proclamou a República Popular da China, até 1976, ano de sua morte. Acompanhou as matanças em ritmo acelerado de Pol Pot, de 1975 a 1979. Testemunhou a queda do muro de Berlim em 1989 e o desmoronamento da União Soviética em 1991. Acompanhou toda a cinqüentenária ditadura cubana e seus crimes.

Niemeyer atravessou todo o século passado e parece não ter notado que comunismo sempre significou ditadura, matanças, gulags, tortura, opressão, miséria, desabastecimento alimentar. Sempre. Não houve um único regime comunista no século passado que levasse um país à liberdade, ao progresso, à prosperidade. São calculadas em 100 milhões as vítimas assassinadas pelo regime, computados nesta cifra os massacres de Lenin, Stalin, Mao, Ceaucescu, Envers Hodja, Pol Pot, Fidel Castro. O arquiteto parece nada ter visto. Continua achando que o socialismo que propõe - leia-se comunismo - redimirá o ser humano de todas suas desgraças. É espantoso que seus entrevistadores se limitem à tímida objeção de uma perguntinha cordial e não oponham o cúmplice de criminosos à evidência dos fatos.

Mais espantoso ainda é que Niemeyer venha afirmar estas bobagens em página nobre de um dos maiores jornais do país.