¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, julho 18, 2007
 
PSICANALISTA GASTA VERBO À TOA



Uma das coisas, entre muitas, que me divertem, é ler consultórios sentimentais. Outra é assistir os pastores evangélicos na madrugada. Mas isto já é outro assunto. Volto aos consultores sentimentais. A Veja on line agora tem um, a psicanalista Betty Milan. A consulta da semana passada é das mais divertidas. Diz o consulente:

Sou casado há 40 anos. Há 30, eu me relaciono com jovens travestis. Sei que estou errado em relação à minha mulher, mas o desejo que sinto quando vejo um belo travesti me faz perder totalmente o controle. Minha mulher já descobriu, mas procura aceitar a situação. Ela sabe que as primeiras experiências sexuais que tive foram com pessoas do mesmo sexo. Isso quando eu estudava em colégio interno. Resumindo, não sou e não faço ninguém feliz. Por um lado, desrespeito a minha mulher. Por outro, me sinto um marginal, tendo que representar diante daqueles com os quais convivo.

Ao responder, a Dra. Começa cometendo um grave erro. Diz que o mito do andrógino está em todas as civilizações, "está presente inclusive na Bíblia. Eva só pode ter saído da costela de Adão, porque antes do nascimento dela, Adão era homem e mulher". Estranha interpretação, porque no Gênesis fica claro que no início não havia homem e mulher, mas apenas homem. Para que o homem tivesse companhia, de sua costela fez uma mulher. Mas a costela era costela, não mulher. O hagiógrafo, em verdade, terá bebido na mesma fonte em que bebeu Platão que, este sim, fala de um ser originariamente andrógino. Ora, mitos podem ser uma tentativa do homem primitivo de explicar o mundo. Ocorre que não explicam. Se explicassem, tudo seria mais fácil. Bastaria recorrer aos textos antigos para que o mundo se tornasse inteligível.

Mas a brilhante analista vai adiante. Recorre à mitologia hindu. E diz que Shiva, além de ser o Deus da destruição, é também o Deus do Amor. A analista está inovando em matéria de História das Religiões. Amor é um conceito inexistente na cultura hindu. É coisa de gregos. Shiva é sempre visto como Deus da destruição e da renovação, mas renovação nada tem a ver com o tal de amor.

Diz Milan que entre as representações de Shiva há uma em que "aparece junto com sua esposa Parvati, na figura de um andrógino". Para começar, é espantoso que um articulista de Veja ainda fale em esposa, palavra que pode até ter lugar numa reunião do Rotary, mas jamais em um jornal moderno. (Na Folha de São Paulo, por exemplo, é proibida. A menos que seja citação). Mas isto é o de menos. A analista explica:

"Trata-se de Ardhanarishvara, metade homem e metade mulher, materialização da dualidade indivisível do masculino e do feminino. À direita da imagem, o braço musculoso de Shiva. À esquerda, o braço delicado de Parvati”. Considera ainda que “a dualidade indivisível dos sexos é tão importante na Índia que certos homens, entre 15 e 18 anos, se castram voluntariamente por desgosto de pertencer a um único sexo, revoltam-se contra a biologia".

E conclui, tentando consolar o consulente: "Mas o que importa é dizer a você que, sendo brasileiro, você é um shivaita nato. Não suporta a separação do masculino e do feminino. Podia parar de se torturar e levar a sua vida dupla, que não faz mal a ninguém, ou melhor, só a você mesmo - por causa da culpa".

Embora não freqüente círculos de analistas, tenho observado uma tendência crescente a ver estes vigaristas apelando a mitologias para explicar o mundo. Ora, as mitologias têm um sentido apenas metafórico, jamais se pretenderam ciência nem mesmo verdade. Mitologia deve ser lida como poesia, como tentativa de tatear o real dos antigos, jamais como metodologia para entender o ser humano.

Ora, o homem apenas gostava de relações com travestis. Não é preciso recorrer a mitologia nenhuma para explicar tão singela preferência. É apenas uma das facetas do relacionamento homossexual. A erudita analista gastou verbo à toa.