¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, julho 24, 2007
 
SOBRE O MEDO DE VOAR



Se antes havia um medo de voar, o medo hoje é de aterrissar. Ou talvez nem tanto. Aterrissar sempre se aterrissa. Tudo que sobe desce. O fato é que hoje, quando você vai para um aeroporto, você não tem idéia alguma de quando partirá, nem para onde partirá. Nem mesmo se partirá. Já que existe greve ou sabotagem de controladores de vôo, as companhias aéreas poderiam ao menos fazer algo para amenizar o sofrimento dos passageiros.

Não fazem. Passageiros estão sendo transferidos para aeroportos distantes, nas madrugadas, sem idéia alguma de quando e para onde partirão. Os funcionários das aéreas, se nada podem fazer, poderiam ao menos ficar junto aos passageiros, para que estes pelo menos se sentissem assistidos. Não ficam. Dão no pé e os passageiros viram náufragos de aeroportos. Recentemente, minha filha viajava para Florianópolis. De Congonhas foi jogada para Viracopos, no meio da noite, onde passou a madrugada, sem que um copo de água lhe fosse oferecido. De Viracopos foi empacotada para o Rio de Janeiro, de onde finalmente partiu para Florianópolis, após 18 horas de espera.

Ela é jovem e forte. Imagine uma pessoa de idade e saúde abalada sendo assim transportada como gado. Ou uma mãe com crianças. Mas, como dizia o ministro Guido Mantega, isto é decorrência da prosperidade do país. Se você quiser um tratamento minimamente humano, vá decolar desses países de economias estagnadas, como a França, Alemanha ou Estados Unidos, cujo aviões partem no horário previsto.

Se você não gostou, entre com ação na Justiça. Constitua advogados, incomode-se com advogados e daqui a três ou quatro anos, se você estiver vivo ou ainda viver por aqui, receba uma indenização chinfrim, que não paga sequer um só dia de seus aborrecimentos. Para o governo, isto faz parte da prosperidade econômica. Relaxe e goze, como disse cinicamente a ministra Marta Suplicy. Ministra e continua ministra. Como também continua com status ministerial o velho e desdentado comunista, o Marco Aurélio Garcia, que mandou todo mundo foder-se.

Waldir Pires, o ministro da Defesa, outro velho e incompetente comunista acarinhado por Lula com uma prebenda no Planalto, declarou há alguns meses que o caos aéreo teria solução dentro de pelo menos um ano. O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, mais otimista, dá o prazo de pelo menos um mês. Os apagões aéreos, que eram mensais, se tornaram semanais e agora são diários. Pode se conceber um país das dimensões do Brasil, servido prioritariamente por transporte aéreo, considerando inevitável que tal situação persista por mais um mês, como prevê o brigadeiro? Ou por mais um ano, como imagina o velho comunista?

Para Milton Zanuazzi, apparatchik petista presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que nada tem no currículo que o habilite a tratar de assuntos aeronáuticos, "o que ocorreu não é incomum. Isso ocorre até nos Estados Unidos. Quando eles invadiram o Iraque houve cerceamento do espaço aéreo, assim como depois do 11 de setembro. Sempre se deve privilegiar a segurança". Imaginará este mentecapto - que por mentecapto andou recebendo uma medalha do governo - que alguém vai engolir sua argumentação? Por acaso o Brasil invadiu o Iraque ou teve algum 11 de setembro ou algo semelhante? Sua declaração é uma ofensa ao bom senso, tão ou mais grave que as de Guido Mantega, Marta Suplicy ou Marco Aurélio Garcia.

De repente, do bolso da jaqueta, surgem as sugestões miraculosas. Urge um terceiro aeroporto para São Paulo. Só agora descobriram? Para quando o terceiro aeroporto? Bom, só as questões fundiárias demandariam uns quatro anos de litígios na Justiça. Aí o governo é outro e a necessidade do terceiro aeroporto talvez seja até mesmo posta de lado. A expansão do aeroporto de Cumbica é dificultada, entre outras coisas, porque 20 mil sem-terra ou sem-teto decidiram fincar pé nos arredores do aeroporto. Pode? Pode um bando de bandoleiros impedir a expansão de um aeroporto? A União diz não ter poder para impedir a invasão dessas áreas. Quem então tem poder? Invasão passou a ser direito mais legítimo que o de propriedade?

Fala-se em um trem-bala São Paulo-Rio, de levitação magnética, para desafogar a ponte aérea. Pelo jeito ninguém mais lembra que até poucos anos havia um trem de luxo neste percurso, que foi desativado por se tornar inviável a passagem pelas favelas que cercam a maravilhosa cidade. Favelados começaram a jogar pedras e mesmo disparar tiros nas janelas, que acabaram tendo de ser blindadas. Que o trem em que Lênin foi de Helsinki a São Petersburgo fosse blindado, se entende. Mas pode entender-se um trem blindado entre as duas maiores cidades do país? A China construiu uma linha férrea a cinco mil metros de altura, de Pequim a Lhasa, no Tibete, e o Brasil já perdeu definitivamente a chance de cobrir os 429 quilômetros que separam o Rio de São Paulo.

Minha filha me perguntava outro dia se este país tem solução. É pergunta que seguidamente me fazem. Minha resposta, desde há muito, é sempre a mesma. Não há solução. Se algum dia o país dividir-se em quatro ou cinco, talvez. Cortar por lo sano, como dizem os platinos. Que cada novo país reúna suas forças e com elas se salve. Os dinossauros sempre estiveram fadados ao insucesso. O Brasil é um dinossauro que sequer consegue comandar seus membros. Não vai dar certo.

Em meio a isso, leio que o comandante Henrique Stephanini di Sacco, um dos falecidos no acidente da TAM, estava escrevendo um livro, intitulado Sem Medo de Voar. Queria ajudar os leigos a vencerem o medo de avião. Apesar das milhares de horas de vôo do comandante, me pergunto se teria autoridade para escrever tal livro. Obviamente, era homem que não tinha medo de voar. Este livro, me parece, teria de ser escrito por quem um dia teve medo de voar e conseguiu vencer este medo.

Eu, por exemplo. Houve em minha vida um período de quatro anos nos quais, se tivesse de tomar um avião daqui a três meses, passava estes três meses dormindo à base de soníferos. Na época, a Internationes ofereceu-me uma viagem aérea por diversas cidades da Alemanha. Aceitei, mas só iria de trem. Era a época em que o grupo terrorista RAF, Fração do Exército Vermelho, mais conhecido como Baader-Meinhof, ameaçava derrubar aviões no espaço aéreo alemão. Funcionários da embaixada alemã tentavam convencer-me de que o país estava muito bem preparado para enfrentar o terrorismo. Mas eu não tinha medo de terroristas. Tinha medo era de voar.

Vivia em Paris e por quatro anos arrastei comigo este medo, perdendo viagens e optando sempre por locomover-me de trem ou navio. Chegou o dia em que tive de voltar por alguns dias ao Sul. Navio era inviável. Só voando. Meses de insônia. No dia do embarque, tomei uma garrafa de uísque enquanto fazia a mala. Mais outra no avião. Permaneci imóvel o tempo todo, não levantei sequer para fazer xixi. Tinha medo de desestabilizar o aparelho. Juro!

Medo irracional, direis. Claro que sim. A maior parte dos medos é irracional. Mas é medo, que se vai fazer? Resolvi enfrentá-lo. Que era o quê me fazia medo? Não era o avião. Era o medo de morrer. Vamos então enfrentar a tal de morte. Não é o destino natural de todo homem? É. Então, por que ter medo? Além do mais, a morte de avião em geral é uma benção. Alguns minutos de agonia, ou segundos, ou talvez nem mesmo isso, como parece ter sido o caso dos sinistrados da TAM. E fim. Sem maiores sofrimentos, nem entubações, nem dias de hospital. Voltei para Paris num vôo dos TAP. Lembro que avião estava quase vazio. Levantei os braços de três poltronas, atei o cinto, deitei-me e dormi como um anjo. Hoje, já nem sinto quando o avião decola.

Vejo também nos jornais a história de um casal de namorados, que voltava de uma semana em Gramado. Nos destroços, encontraram o chip da câmera da moça. Fotos lindas de um casal feliz, curtindo plenamente a vida. Não vejo maiores problemas em morrer depois disso. A estes dois foram poupadas doenças, sofrimentos, divórcio quem sabe, as seqüelas da velhice.

Não, não estou afirmando que o desastre da TAM foi uma benção. Nada disso. Mas não me desagradaria morrer assim. Eu e a minha Baixinha tínhamos um secreto desejo. Morrer os dois juntos em um desastre aéreo. Não aconteceu. Cá estou curtindo sua ausência.

Quem devia escrever esse livro, dizia, sou eu. Ocorre que jamais escreveria um livro. Basta uma frase. Vença o medo da morte, assim acaba o medo de voar. Meu medo, hoje, não é de voar. É de ser tratado como gado nos aeroportos.