¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 22, 2007
 
VIAGEM RUMO AO SILÊNCIO



Pouco a pouco, o telefone celular foi se tornando uma perversão do mundo contemporâneo. De início, foi sinal de status. Um dos primeiros celulares a chegar no Brasil era um tijolo que custava algo em torno de 20 mil dólares. Foi se tornando barato, como é normal nesse tipo de serviço, mas ainda assim denotava status. Não faz muito tempo, dois objetos eram indefectíveis ao lado de cada freqüentador de um bar: a chave do carro e o celular. Eventualmente, havia um terceiro, o pacote de cigarros, hoje caindo de moda.

Se hoje se tornou objeto do dia a dia, com ele ainda não me acostumei. Quando estou conversando com amigos, não gosto de ser interrompido por alguém distante. Nada me soa tão absurdo como ver quatro pessoas em uma mesa, cada uma conversando com uma outra no outro lado da linha. Há também um certo narcisismo no uso do aparelhinho. Quem já não viu um executivo ou coisa semelhante, tratando de grandes negócios e vultosas somas, aos berros, em um bar? Pior do que o celular, só o tal de Nextel, onde se ouve inclusive o outro interlocutor.

Neste sentido, sou obsoleto. Não costumo usar celular. Como herdei um de minha Baixinha, acabo por usá-lo. Mas só aos sábados e domingos, das 13h às 15h. É quando estou em status randômico, pensando em com quem vou almoçar ou bebericar algo. Há uns dois anos, navegando pela Terra do Fogo, senti na pele como é bom estar longe dos penduricalhos eletrônicos da era hodierna. Fora do alcance de qualquer satélite, vivi cinco dias sem televisão, nem Internet, nem telefonia. Rádio, só para emergências. Não, não sou um neoludita. Mas uma pausa assim na vida faz bem à alma. Nada mais terapêutico que uma semana sem notícias do planetinha. (Mas não mais que uma semana. Na segunda, já começo a sentir falta da humana algaravia).

Leio no Libération de hoje, que as autoridades de uma zona rural da Colômbia britânica, no Canadá, querem atrair turistas mantendo sua região livre de telefonia celular. Não que pretendam destruir as torres de telefonia celular. Mas como no vale de Slocan esta algaravia ainda está ausente, os nativos preferem que assim continue. Um grupo de habitantes do vale pediu à empresa Telus para não construir as torres de transmissão que estavam previstas em New Denver, uma antiga cidade mineira que tem hoje cerca de 600 habitantes. "O fato de que nós não tenhamos serviço de telefonia móvel significa que podemos aproveitar a vida sem o ruído incessante dos aparelhos, imediatamente seguido de uma conversação em voz alta", declara uma autoridade local.

Se a Telus não construir as torres, as autoridades locais pretendem promover o label "sem celular" do vale, para encorajar o turismo. Há muito defendo a idéia de que o silêncio está se tornando algo tão raro, que talvez seja um dia atrativo para turistas. Viajar rumo ao silêncio, comprar uma semana ou duas de silêncio, é pacote que muito me atrai. Pelo jeito, o fenômeno já está em seus albores.