¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, agosto 19, 2007
 
AINDA A CORRUPÇÃO UNIVERSITÁRIA




Com a comparação feita pelo Supremo Apedeuta entre a Bolsa-Esmola e as bolsas de doutorado no Exterior, voltou à tona o caso dos bolsistas inadimplentes. Na Folha de São Paulo de hoje lemos:

UNIÃO COBRA R$ 54 MILHÕES DE EX-BOLSISTAS

Doutorandos receberam ajuda para estudar no exterior e não teriam cumprido as exigências ou abandonado estudos

Supostas irregularidades vão de falsificação de diplomas a descumprimento de acordo para permanecer no Brasil com o fim da pós-graduação


Segundo o jornal, desde 2002 o governo federal pediu a devolução de cerca de R$ 54 milhões que ex-bolsistas de doutorado favorecidos por ajuda oficial teriam recebido de forma irregular. O montante da dívida difere de notícia publicada pela própria Folha no ano passado, que estimava o desfalque nos cofres públicos em R$ 97,6 milhões. 54 ou 97, a falcatrua é grossa. É curioso observar como a imprensa denuncia a corrupção na política, no mundo empresarial, no universo ongueiro, mas quando se trata de universidade a palavrinha corrupção é omitida. A Folha fala, eufemisticamente, em "supostas irregularidades". Afinal, é ou não é irregularidade falsificar diplomas e abandonar o país após ter sido financiado para estudar no Exterior?

Quando professor na UFSC, em Florianópolis, observei não poucos casos desta corrupção, alguns deles a meu lado. Só em meu departamento, o de Letras, havia oito professores que não haviam levado a bom termo suas bolsas no Exterior. O caso certamente mais escandaloso foi o de uma professora que passara quatro anos em Curitiba sem conseguir concluir seu mestrado. Teve então seu projeto de mestrado espichado para doutorado e ganhou mais quatro anos de bolsa na USP. Sem concluir seu doutorado, recebeu mais dois anos para concluí-lo em Lisboa. Fui protestar junto ao chefe de Departamento. Como é que aquela moça, que em oito anos não conseguira elaborar uma tese, que há oito anos estava afastada do giz e do quadro-negro, era premiada agora com mais dois anos em Lisboa?

- É um problema humano - me disse o professor. Ela se divorciou há pouco e outro dia apareceu com um olho inchado no Departamento. Ela tem de sair de Florianópolis.

Bom, se assim era - respondi - eu falava com minha mulher pra me dar duas bofetadas e queria quatro anos em Lisboa.

Ainda no mesmo Departamento, ocorreram outros escândalos memoráveis. A irmã da moça do olho inchado, professora de Literatura Portuguesa, que não tinha um único livro em sua casa - como tive a oportunidade de constatar -, recebeu bolsa na área também em Lisboa. Encontrei-a lá. Tese, nem pensar. Mas já tinha encontrado seu Quim (de Joaquim). Claro que não concluiu seu doutorado. Soube depois que passou a viver em Valladolid, Espanha, onde casou e não mais deu notícias à universidade.

O caso mais berrante terá sido o de um professor e uma professora chilenos, mais conhecidos como o Casal. Pois bem, o Casal conseguiu bolsa em Londres, onde passou quatro anos, não concluiu doutorado e nunca mais foi visto em terras brasileiras. Outra história - e patética - é a de uma professora de Teoria Literária, já avançada em idade (creio que uns 50 anos) e quase cega. Recebeu bolsa para Paris, onde a encontrei. Tinha dificuldades até para atravessar a rua, dada sua deficiência visual. Transcorridos os quatro anos, a universidade a chamou de volta. Ela decidiu não voltar. Devido a não sei qual dispositivo legal ou burocrático, exigia-se que ela estivesse no Brasil para ser comunicada da cessação de sua bolsa. Como isso era tudo que ela não queria, não voltava. E continuava passeando às margens do Sena, mal conseguindo distinguir um sinal de semáforo. Confesso que não sei como acabou o imbróglio.

Assisti também o caso de outro casal, ambos professores de Letras e também cinqüentões. Ele conseguiu uma bolsa na PUC de Porto Alegre. Para levar a mulher junto, forjou sua inscrição em um curso inexistente na mesma PUC. A fraude foi denunciada em pleno Departamento, por um outro professor que esperava sua vez de sair para Paris. Participei dessa reunião. A professora saiu da sala diretamente para o hospital universitário, com crise de hipertensão.

Punição? Nenhuma. Apesar de toda a campanha que desfechei na imprensa catarinense contra o turismo universitário, apesar do processo que envolveu Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal, não tenho notícia de um único professor punido.

A palavra corrupção, tão facilmente atribuída a políticos pelos jornalistas, bem que está na hora de ser associada ao universo universitário.