¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, agosto 21, 2007
 
PRINCESA MÄRTHA E OS ANJOS




Os anjos surgem pela primeira vez na Bíblia sob a forma de leões-de-chácara. Já nas primeiras páginas do Gênesis, quando o Senhor transformou o trabalho em maldição, ao jogar Adão fora do Éden para lavrar a terra, pôs ao oriente do jardim "querubins, e uma espada flamejante que se volvia por todos os lados, para guardar o caminho da árvore da vida".

Logo adiante, sem mais nem menos, junto a uma fonte no deserto que está no caminho de Sur, um anjo surge a Agar, serva de Sarai, e lhe pergunta: "donde vieste, e para onde vais?" Promete-lhe ainda farta descendência: "Multiplicarei sobremaneira a tua descendência, de modo que não será contada, por numerosa que será".

Mais adiante, sempre no Gênesis, um anjo providencial salva Isaac do punhal do pai. Quando Abraão vai cumprir um sacrifício a Jeová, Isaac, desconfiado, vê que está faltando algo e pergunta: "Eis o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?" Abraão desconversa: "Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho".

O cordeiro era o Isaac. Quando já estava amarrado sobre o altar, em cima da lenha, surge dos céus o Anjo do Senhor, que brada: "Abraão, Abraão! Não estendas a mão sobre o mancebo, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, visto que não me negaste teu filho, o teu único filho".

Ainda no mesmo livro, temos os dois anjos que desceram dos céus para avisar a Ló que desse no pé de Sodoma. Pelo jeito, eram divinos, pois perturbaram os sodomenses (ou sodomitas?): "Onde estão os homens que entraram esta noite em tua casa? Traze-os cá fora a nós, para que os conheçamos".

Ló, que conhecia os seus, entendia muito bem o que queria dizer conhecer. Para proteger seus hóspedes, oferece suas duas filhas: "Meus irmãos, rogo-vos que não procedais tão perversamente; eis aqui, tenho duas filhas que ainda não conheceram varão; eu vo-las trarei para fora, e lhes fareis como bem vos parecer: somente nada façais a estes homens, porquanto entraram debaixo da sombra do meu telhado".

Ló era o único homem justo de Sodoma. Os anjos, para escapar ao assédio dos sodomenses (ou sodomitas?), feriram de cegueira os que estavam do lado de fora, de maneira que cansaram de procurar a porta. É o que dá querer amar os anjos.

É Isaías quem fala pela primeira vez na Bíblia dos serafins: "cada um tinha seis asas; com duas cobria o rosto, e com duas cobria os pés e com duas voava". Judas, o irmão de Jesus, fala do arcanjo Miguel que discutia com o Diabo, disputando a respeito do corpo de Moisés. Paulo, com sua cultura helênica, ajunta às cortes celestiais as dominações, principados e potestades: "tudo foi criado por ele e para ele".

Os anjos percorrem a Bíblia toda, do primeiro ao último livro. No Apocalipse, além de louvar ao Senhor e representar igrejas, são mensageiros de morte, sangue, peste, pragas e sofrimentos: "Naqueles dias os homens buscarão a morte, e de modo algum a acharão; e desejarão morrer, e a morte fugirá deles".

A Igreja Católica estabeleceu a existência de três hierarquias angelicais, com distintas funções. Cada hierarquia tem três coros: os serafins, querubins e tronos; as dominações, virtudes e potestades, e os principados, arcanjos e os anjos. Estes últimos se encarregam de cuidar das pessoas, desviá-las do mal e encaminhá-las ao vem e ao caminho da salvação.

São Tomás de Aquino, também conhecido como Doctor Angelicus, por sua dedicação aos anjos, ocupou-se longamente destes seres etéreos na Suma Teológica. Para o Boi Mudo, outro epíteto que lhe foi dado por sua capacidade de trabalho, a natureza dos anjos é puramente imaterial e espiritual, seu número é incalculável e eles têm graus diferentes de sabedoria e perfeição, estando subdivididos em hierarquias. Sua acuidade é tal que chega a discutir a que distância os anjos devem estar entre si para que quando um fale o outro ouça. O estudo dos anjos se tornou uma tradição na cristandade e passou a constituir um ramo da teologia, a angeologia ou angelologia. Contemporaneamente, está se tornando uma questão de auto-ajuda.

Se anjos existem, vamos conversar com eles. É o que propõe a princesa Märtha Louise, filha do rei Harald, da Noruega, que criou em Oslo uma Escola dos Anjos, a Astarte, que já não tem mais vagas para a reentrada do ensino deste ano. É o que leio no Libération. O projeto está provocando resmungos no reino escandinavo, onde há quem proponha que a princesa, de 35 anos e adepta de terapias alternativas, renuncie a seu título oficial.

A filha do rei Harald, que diz ter dons de vidência, propõe aos alunos da Astarte entrar em contato com seus anjos, definidos como "forças que estão em torno a nós e são um recurso e uma ajuda em todos os aspectos de nossa vida". Para isso, os candidatos a conversar com os anjos deverão pagar 12 mil coroas norueguesas (cerca de 1500 euros) por semestre. O jornal Bergens Tidende convidou a princesa a renunciar a seu cargo e o escritor sueco Jan Guillou acha que Märtha deve tratar de curar-se. Sábado passado, a princesa defendeu-se na rede de televisão NRK: "Sou feliz de não ter não ter nascido há 200 anos, pois teria sido queimada na fogueira há muito tempo".

Em verdade, Märtha teria mais sucesso há uns 800 anos. Como não teve esta graça, a de ter vivido na época do Doctor Angelicus, melhor faria mudar-se da luterana Noruega para este Brasil católico, onde angeólogas e angelológas fazem fortunas com seus livros de auto-ajuda. Se a escola de Märtha demonstra-se viável em país de Primeiro Mundo, muito em breve teremos entre nós, ao lado dos cursos de Teologia, os de Angeologia. Quem viver, verá!

Amém?

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