¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 24, 2007
 
STALIN VIVE




Já que falei em Katyn...

Estou lendo a edição da revista francesa L’Express desta semana, que tem Joseph Vissarionovitch Djugatchivili como chamada de capa. Ocorre que a Rússia de Putin está ressuscitando Stalin, como era mais conhecido o ex-seminarista. Entendo que alguns velhotes caquéticos como Niemeyer e Ariano Suassuna ainda cultuem no Brasil o Paizinho dos Povos. São homens que fizeram suas carreiras montados no stalinismo e não podemos esperar que tais pessoas, ao final da vida, reneguem suas próprias biografias. Entende-se também que uma juventude desinformada - que nada conhece de História e é bombardeada por bibliografias marxistas - possa ter algum apreço pelo grande assassino. Afinal os gulags de Stalin não afetaram brasileiros, nem vivemos sob o tacão de suas botas.

Mais difícil é entender que os russos voltem a cultuar o tirano. O Livro Negro do Comunismo, de Stéphane Courtois et allia, credita a Stalin a morte de 20 milhões de pessoas, e a maioria destas vítimas eram russos. Só Mao conseguiu matar mais que Stalin: 65 milhões, segundo os autores. Os dois maiores matadores de comunistas da História foram... os líderes comunistas Mao e Stalin. Nem Hitler conseguiu matar tantos.

Vamos aos relatos de L’Express. Por encomenda do Kremlin, isto é, de Vladimir Putin, foi publicada em Moscou uma História Contemporânea da Rússia, 1945-2006, onde se pode ler afirmações das mais significativas. Diz o breviário que a União Soviética era "não uma democracia, mas um exemplo de sociedade justa". Que Stalin foi o dirigente soviético cuja obra foi "a mais bem-sucedida", por ter transformado a URSS em uma potência industrial e tê-la conduzido à vitória de 1945. Quanto à repressão política que fez milhares de vítimas, ela teria sido utilizada com o único objetivo de "mobilizar não só somente a base, mas a elite dirigente".

Ano passado, um museu Stalin, financiado por um homem de negócios, abriu suas portas em meio ao complexo oficial que comemora a batalha de Stalingrado. Sem que o Kremlin dissesse qualquer coisa contra. Tampouco disse nada contra a reaparição de bustos e estátuas de Stalin em diversas regiões do país. A rede televisão NTV difundiu este ano uma série em 40 episódios, intitulada Stalin Live, mostrando o tirano em vias de arrepender-se nos últimos meses de sua vida. "Há uma demanda que vem de baixo, endereçada ao poder em favor de uma revisão da História" - diz Alexandr Daniel, filho do antigo dissidente Youli Daniel -. "O poder responde na medida em que isto serve seus próprios propósitos. Não sei onde isto vai parar".

Nessa altura dos acontecimentos, já há ensaístas que se sentem à vontade para negar o que não pode mais ser negado. Um certo Youri Moukhine, por exemplo, afirma que o massacre de Katyn foi cometido pelos nazistas, e não pela União Soviética. Apesar de Boris Yeltsin ter confirmado, em 1992, ao presidente polonês Lech Walesa, que a ordem viera de Stalin.

L’Express entrevista o escritor e ex-diplomata Vladimir Fédorovski, autor de Le Fantôme de Staline. Fédorovski dá um novo enfoque às denúncias do stalinismo feitas por Kruschev em 1956:

- O objetivo do XX Congresso do PCUS, apresentado como o que desestalinou a União Soviética, em 1956, não era uma verdadeira desestalinização. Seus instigadores visavam desculpar Lênin e fazer perdurar o sistema, culpabilizando Stalin e sua sua alma danada, Beria. A astúcia de Kruschev consistiu em organizar um branqueamento do sistema, a instituir um novo culto, uma religião pagã onde os papéis eram distribuídos por antecipação. Lênin se tornava um deus eterno, Stalin o deus decaído, mas tudo permanecia no lugar: o KGB representava a Inquisição, o Partido era a ordem religiosa portadora das espadas, às quais se ajuntavam os ícones, as peregrinações ao mausoléu, etc.

Interrogado sobre o porquê da reabilitação de Stalin, diz Fédorovski:

- O personagem de Stalin é a chave do funcionamento da Rússia atual. Mais de 30 museus lhe foram consagrados, na Rússia, nos últimos três anos. Vladimir Putin o cita em seus discursos e mesmo os jovens são atraídos por sua imagem. Putin toma emprestado de Stalin o tema da Rússia, "citadela sitiada", o governo pelo medo, a nomenklatura renovada e sobretudo o recurso a um passado inventado. A diferença entre eles é que Stalin evocava um personagem de Shakespeare, enquanto que Putin faz faz pensar no Spectre, dos filmes de James Bond.

Regozijem-se as esquerdas brasileiras, os PTs e PSOLs da vida, os Zés Dirceus e Tarsos Genros, os Niemeyers e Suassunas. Nem tudo está perdido. O Mestre ressuscita de entre os mortos. Hosanas a Putin, o anunciador da Boa Nova. Voltem-se os olhos dos crentes à Nova Jerusalém.

O Paizinho dos Povos vive. Aleluia! Aleluia! Aleluia!