¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, outubro 29, 2007
 
CHE, SESSÃO NOSTALGIA



Ler jornais antigos é lazer que me fascina. Na Folha de São Paulo de 19 de outubro de 1997, quando Che Guevara ainda era visto como herói, encontro artigo intitulado "O Che morto e o Che vivo", de autoria do lúcido sociólogo francês Alain Touraine, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Nenhuma alusão a seus frios assassinatos, nem à ditadura que ajudou a instalar em Cuba. Seguem alguns excertos:

Por que o elogio do herói revolucionário, se a idéia de democracia penetra, enfim, no continente latino-americano, e se as guerrilhas desapareceram em quase todos os países, salvo na Colômbia, onde Che condenara as suas formas de implantação e de luta?
(...)
Pode-se dizer, a princípio, que o herói, à medida que a sua figura se esfuma, transforma-se em mito, e que o ministro da Indústria ou o militante são recobertos pela figura do guerrilheiro assassinado, que lembra Cristo. É o Che morto, mais que o Guevara vivo, que sobe ao paraíso dos heróis sacrificados.
(...)
Assim, seria por causa da queda do Muro de Berlim, por causa da ausência de regime revolucionário, por causa do domínio avassalador das redes financeiras e econômicas capitalistas que a figura de Che surge como um protesto silencioso, diante do qual ergue-se a América Latina e o mundo inteiro, assim como Hamlet erguia-se diante do fantasma de seu pai assassinado. Essa explicação é talvez a melhor; ela corresponde aos sentimentos, à nostalgia de todos os que viveram, como a melhor parte de si mesmos, as suas idéias revolucionárias, e que muitas vezes não se orgulham do que se tornaram, dos compromissos ou das renúncias que tiveram de aceitar: são estes que reencontram, no rosto do Che assassinado, os seus próprios ideais burlados.
(...)
Nessa noite e nesse silêncio, a luz que ilumina o rosto de Che é o indício de um caminho; não daquele seguido por Che, mas ainda assim de um caminho, de uma possibilidade de ação, de uma esperança de ação contra a miséria e a injustiça.
(...)
Estamos ainda muito longe deste momento em que se recomporá um campo propriamente político, em que se enfrentarão idéias tanto inovadoras quanto realistas. Daí por que, no silêncio político atual, a imagem do Che combatente e vítima é um primeiro ponto de referência.
(...)
A figura de Che não é só um mito, não é só um ideal que se separa das formas adotadas por este ideal na história; ela é um sinal na noite - um sinal de esperança e, também, de solidão. Ninguém mais pensa que voltará o tempo das guerrilhas, e muitos gostariam de ouvir novamente as vozes que reclamam a Justiça e que denunciam as desigualdades escandalosas.
(...)
A celebração do 30º aniversário da morte de Che não é apenas um adeus ao passado há muito desaparecido; é um sinal rumo ao futuro, um desejo ainda imóvel de andar, a necessidade de um ideal capaz de transformar as sociedades tão pouco ciosas da Justiça. O guevarismo desapareceu - e com ele os regimes pós-revolucionários a que fazia referência, mas o exemplo do combatente sem esperança persiste e anima os que ainda não possuem novas esperanças, embora sofram a sua ausência.