¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, outubro 25, 2007
 
CRENDICE SE ACADEMIZA



Tão jovem e já com teologia. A umbanda surgiu no Brasil em inícios do século passado e - segundo o Knaurs Grosser Religions Fürher, de Gerhard J. Bellinger - já tem mais de seis milhões de adeptos, dispersos entre cerca de 100 mil centros comunitários e ocupa o quarto lugar no ranking das religiões tupiniquins, superada apenas pelo catolicismo, o protestantismo e o espiritismo. As informações de Bellinger devem ser vistas com cautela, já que sua enciclopédia é datada de 1986 e certamente não leva em conta o crescimento acelerado, de lá para cá, das seitas evangélicas.

De qualquer forma, se compararmos os umbandistas com os gatos pingados do cristianismo em seu primeiro século de existência, a disseminação da nova religião foi extremamente rápida. A verdade é que as religiões crescem como cogumelos após a chuva no Brasil. A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, criada há exatamente trinta anos, já tem 9.660 pastores, 4.750 templos e está disseminada em 172 países. Segundo o IBGE, já teria dois milhões de fiéis. Segundo seus pastores, oito milhões. Templo é dinheiro.

Umbanda é o seguinte: apanhe um punhado de macumba, ajunte uma generosa porção de espiritismo, mais outra de catolicismo, respingue essa massa básica com pitadas de feitiçaria e práticas mágicas, mais um pouco de crenças indígenas, tudo isso refogado em um denso molho de animismo africano. Ponha a cozinhar em fogo lento e voilà, temos a umbanda. Se você acha que coquetel de crendices é um nome pouco delicado para a nova religião, pode chamá-la de sincretismo.

Em março de 2004, escrevi:

Não bastasse esta proliferação de crendices no varejo, foi autorizada no ano passado, pelo Ministério da Educação, a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU). Ora, direis, se os cristãos têm sua teologia, por que não teriam uma os cultos animistas africanos? A pergunta procede, mas tem seus percalços. O Deus cristão, além de ser um só, tem como biografia um livro dos mais antigos. Os africanos, além de serem muitos, precisam de biografias mais evidentes e bibliografia de apoio. Será necessário cavoucar muito texto do nada, para bem definir Ogun, Oxóssi, Iemanjá, Exu, pretos velhos, índios, caboclos, ciganos.

Na grade curricular constam Botânica Umbandista, Fundamentos de Psicologia Geral e Umbandista, Biologia Geral e Espiritual. Donde se conclui que deve também existir uma botânica católica, outra judia, outra luterana e assim por diante. As botânicas florescerão com o mesmo viço das profissões de fé. Idem no que diz respeito à psicologia. Mais um pouco e voltamos a 68, quando se falava em uma matemática burguesa e uma matemática revolucionária. Quanto à tal de biologia espiritual, será muito divertido ver biólogos mesurando, com seus instrumentos físicos, fenômenos inefáveis, que não podem ser medidos por instrumento algum. Sem falar que, com a nova faculdade, o sacrifício cruento de animais adquire dignidade acadêmica.

Que ousados executivos do Além queiram dourar seus ofícios com diploma de nível superior entende-se. Claro que em breve teremos doutores em Teologia Umbandista e, por que não, faculdades de Teologia do Candomblé. O que pasma é ver o MEC endossando tais excrescências. Verdade que a coisa começou há muitos séculos. Quando, na Idade Média, surgiram os primeiros cursos universitários de Teologia, as portas estavam abertas para toda e qualquer especulação. Teologia é a ciência do conhecimento de Deus. Isto é, do conhecimento do que não existe. Se os europeus têm uma ciência do que não existe, porque os africanos não a teriam?

O embuste passa a ter foros de conhecimento científico. Ai dos pobres de espírito, a clientela preferencial dos mercadores do Além.


Se ainda não temos doutores em Teologia Umbandista, já temos bacharéis. A Faculdade de Teologia Umbandista de São Paulo terá, no final deste ano, seus 35 primeiros graduados. É o que leio no Estado de São Paulo. Segundo o jornal, eles cursaram sociologia, psicologia, filosofia, ciências políticas, matemática, artes e lógica. Também estudaram anatomia, botânica, administração templária e sistemas filo-religiosos. O que o jornal esquece é que a botânica é umbandista, a psicologia idem, e a biologia é espiritual. É de supor-se que também a matemática e a lógica sejam umbandistas. No que à lógica diz respeito, será divertido observar como os novos teólogos conseguirão compatibilizar o velho catolicismo europeu com kardecismo, animismo africano, feitiçaria e crenças indígenas tupiniquins.

O coordenador do curso, Roger Soares, médico especializado em didática de ensino, afirma que "estudamos a teologia da umbanda com um enfoque multidisciplinar, passando pela ciência e pela religião e resgatando a cultura popular. O umbandista é o mestiço brasileiro e a faculdade é a valorização dessa cultura”. Falou muito e pouco disse. A única conclusão que se depreende deste palavreado, é que os umbandistas querem se investir de dignidade acadêmica. As conversas com espíritos migrarão do campo da doxa para o da episteme e o banho de descarrego passará a ter uma auréola de ciência.

Os pais e mães-de-santo já não serão mais pretos e pretas velhas imbuídas de malandragem, mas bacharéis. Muito em breve, teremos doutores pais-de-santo e doutoras mães-de-santo. E médium acabará sendo profissão regulamentada por lei. Quem será pai ou mãe-de-santo? Só quem tiver diploma da FTU.