¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, outubro 31, 2007
 
ESTADO-CANALHA


Se há algo neste país que me causa espanto, é a inadimplência do Estado no que diz respeito ao pagamento de precatórios. Mesmo julgados em última instância, sem possibilidade nenhuma de recurso por parte da União, do Estado, ou dos munícipios, já em fase de execução, não são pagos e estamos conversados. O Estado caloteia olimpicamente seus cidadãos e ainda acha que estes são obrigados a pagar impostos. Por muito menos que isso, os Estados Unidos declararam sua independência. Nós, bugres, aceitamos passivamente o calote oficial.

Furungando na Internet, encontrei hoje na revista jurídica Última Instância (http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/44038.shtml) este excelente artigo, que resume com competência tudo que tenho escrito sobre os precatórios. Me sinto obrigado a reproduzi-lo.


PRECATÓRIOS IGNORADOS: O APOGEU DO ESTADO-CANALHA

Jarbas Andrade Machioni


A propósito de uma reportagem do Jornal Hoje denominada "À Espera de Precatórios": Três em cada dez brasileiros, que esperam receber direitos outorgados pela Justiça, irão morrer sem os receber.

Isso ocorre porque o Estado - seja federal, estadual ou municipal - não respeita a decisão judicial definitiva obrigando-o a pagar créditos, apurados no processo judiciário, em favor dos particulares; na prática, paga-os conforme, quando e se quiser. Permitam-me explicar aos leigos o sistema em linhas gerais.

No direito brasileiro, como os bens públicos (isto é, os do Estado) são impenhoráveis e não podem ser levados a leilão, quando alguém tem um crédito contra o Poder Público reconhecido por sentença judicial transitada em julgado, o juiz expede um oficio ao Estado requisitando o pagamento para que o credor receba o valor a que tenha direito.

Esse ofício é chamado de "precatório". Pela lei, o poder executivo ao receber o precatório, deveria simplesmente incluí-lo no orçamento do ano seguinte à requisição, e pagá-lo ao longo do ano.

Infelizmente o Estado demora uma década, ou várias décadas, após o litígio (que também demora uma década ou mais) para pagar. E às vezes simplesmente não os paga. Não obedece ao procedimento legal, com - infelizmente - a complacência de tribunais. Há pessoas que esperam mais de trinta anos para receber o que é seu direito, há pessoas que nunca receberam.

Existe o Estado-empresário, existe o Estado-social, o Estado-mínimo, o Estado-liberal, e algumas outras "modalidades"; todos são qualificativos sacados ao sabor da ideologia que se emprega. No Brasil, aproximamo-nos da suprema qualificação odiosa: o Estado-canalha!

O Estado brasileiro não ministra educação, não dá saúde, nem segurança, cumpre minimamente seus deveres, mas com a cínica vilania que só os canalhas têm, chega ao desplante de afirmar que está dando prioridade a outras carências sociais, e por isso não pagaria precatórios. Essa desculpa remete a uma passagem bíblica, que já condenava esse tipo de cinismo.

Mas se o Estado não paga o que deve, como ele pode ter a pretensão de cobrar tributos? Juridicamente sabemos inexistir sinalagma entre o dever de pagar tributo e o dever de o Estado pagar precatórios, mas ouso dizer, que o cidadão que não recebe seu crédito, está autorizado pelos preceitos de Direito Natural e pelos mais altos princípios constitucionais, que embasam a verdadeira cidadania, a revoltar-se e suspender o pagamento dos tributos que deva.

Como diria Robespierre: "A mesma autoridade divina que ordena aos reis serem justos, proíbe aos povos serem escravos".

Esse direito, ora postulado, é inalienável ao cidadão-credor e é direito da melhor espécie, é aquele em que se assenta as bases da união originária das colônias norte-americanas; que foi arrancado à João Sem-Terra no século XIII através da Magna Carta; direito que foi invocado pelo advogado Thuriot perante os canhões que guardavam Bastilha, ao tomá-la.

Os governantes que não acatam, sem subterfúgios, decisão judicial definitiva não mereciam permanecer no cargo. Estamos num momento decisivo da história brasileira, as condições, nacionais e internacionais, são-nos favoráveis a uma virada histórica para consolidação da democracia.

Esperamos que o Supremo Tribunal Federal, nas águas de algumas corajosas e inovadoras decisões que vem tomando, comece a exigir o cumprimento total desse dever legal básico do Estado.