¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 27, 2007
 
MINHAS CIDADES DILETAS - MADRI



Periodicamente, a imprensa nos traz uma listagem dos melhores países para se viver. Hoje, trouxe uma tabela anual da ONU. Como sempre, os países ricos estão entre os primeiros. E os países pobres estão entre os últimos. Os cinco primeiros são a Islândia, a Noruega, a Austrália, o Canadá e a Irlanda. Os EUA caíram de oitavo, no ano passado, para 12º na lista elaborada segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU. Todos os 22 países colocados na categoria "baixo desenvolvimento humano" encontram-se na África subsaariana. Serra Leoa é o último colocado.

Viajor entusiasta – desde que pelo Ocidente – vou meter minha esquiva colher nesse caldo. Não vou opinar sobre os países mais pobres do mundo. Não os conheço nem tenho interesse algum em conhecê-los. Miséria, já me basta a do Brasil. Quem gosta de ver miséria é turista do Primeiro Mundo. O que mais atrai um francês no Brasil são as favelas. Cidadão de Terceiro Mundo, jamais me ocorreria visitar uma favela.

Também acho complicado falar de melhores países. País é algo bastante heterogêneo. Existem as capitais... e os vilarejos. Por outro lado, existem critérios e critérios para se eleger um país como melhor do mundo. Não sei exatamente quais são os da ONU. Sei apenas dos meus: bem-estar generalizado, segurança nas ruas, imprensa farta e livre, sistema eficaz de transporte coletivo, óperas, teatro e bom cinema, alta culinária e – o que mais me fascina – restaurantes, cafés e bares sofisticados. Seguidamente leitores me perguntam quais as cidades onde é melhor morar. Dentro do que me foi dado viver, vou falar das minhas dez diletas. Falarei apenas de cidades. Gosto muito da França, mas dificilmente viveria em alguma outra cidade que não Paris. Adoro a Espanha, mas jamais viveria em Toledo ou Cuenca. Atenção: adoro Toledo e Cuenca. Mas não para morar. Há cidades para se morar e cidades para almoçar num fim-de-semana.

Antes de seguir adiante, vou descartando Reykjavik. A Islândia é um país fascinante. Mas viver numa capital com 100 mil habitantes me deixaria tão entediado como a uma ostra. Oslo, muito menos. Comida muito cara, bebida a preços de tornar sóbrio qualquer cristão. Na Islândia ainda é mais caro. Ora, não é bom viver em cidades em que o custo de vida seja muito alto. A confraternização se torna difícil. Mais ainda: na Noruega, nas lojas estatais que têm o monopólio da venda a varejo de bebidas alcóolicas, só pode comprar quem tiver mais de 25 anos. Puritanismo de luteranos. Não dá! Não por acaso – pasmem! – em pleno século XXI, a Noruega tem uma Igreja Estatal Protestante oficial, baseada na religião luterana evangélica. Oslo é como Montevidéu: simpática e nada mais que isso.

Vamos às minhas dez. Não vou falar daquelas cidades pequenas e lindas, que nos encantam mas onde jamais moraríamos. A cidade pequena – escreveu Kavafis – olha e passa. Vou falar de grandes cidades. A lista está longe de ser definitiva e, pensando com mais vagar, eu até poderia mudar o ordenamento de algumas. Não citarei nenhuma cidade vertical. As cidades verticais achatam o ser humano. Gosto de cidades horizontais.

Em primeiro lugar, para quem me conhece, não há surpresa alguma: Madri. Adoro Madri e ao despedir-me dela saí de lá chorando. Nem Paris nem Estocolmo me produziram esta reação. Mais ainda: já li relatos de outros viajores que também saíram de lá chorando. Não que a cidade seja excepcionalmente linda, nada disso. Paris, Praga ou Viena são muito mais lindas. O que gosto em Madri são os madrilenhos e seu savoir vivre. Há uma profusão extraordinária de cafés e restaurantes, tudo isso dentro de um quadrilátero relativamente pequeno, o que permite fazer-se a pé a geografia etílica da cidade.

Adoro os horários da Espanha, que tornam perplexos os demais europeus. Às nove da manhã, as cidades estão mortas. Começam a acordar lá pelas dez. O almoço geralmente é a las dos del mediodía. Quando não a las tres. Nem pense em almoço às doze do meio-dia. Seria um insulto ao restaurador. A noite, por sua vez, começa a las nueve de la tarde. Adoro aquelas madrugadas geladas de inverno, temperaturas abaixo de zero e milhares de madrilenhos percorrendo aquelas vielas e avenidas quais formigas enlouquecidas, lá pela uma ou duas horas da madrugada.

Me encantam também os cafés de Madri. Diria que os melhores dias de minha vida, eu os vivi no Oriente, em frente ao Palácio Real, na Cerveceria Alemana, na Plaza Santana, nos centenários Gijón e El Espejo, no Paseo de Recoletos. O Gijón explica porque nunca consegui chegar à Biblioteca Nacional de Madri. Quando ia para a biblioteca, antes de atravessar o Paseo de Recoletos, estava o Gijón. Nunca consegui atravessar aquela avenida.

Sem falar nos cochinillos e corderos lechales. São dois assados que valem uma viagem à Espanha. O cochinillo é um leitãozinho de vinte e poucos dias, assado em um forno especial, que parece derreter-se na boca de tão tenro. O lechal é o cordeiro de leite, ainda não desmamado e cuja idade não passa de seis semanas. Existe ainda um cordeiro mais adulto, o pascual, que é criado pastando tomilho. Ou seja, temperado desde o berço. O melhor restaurante para degustá-los em Madri é o Sobrino de Botín, com mais de trezentos anos. Em Toledo, procure o Valério. Em Segovia, o Conde Duque ou o Cândido. Lá, já fui servido pelo próprio Conde Duque, que partia o cochinillo com um prato, para mostrar sua tenrura, e depois quebrava o prato no piso do restaurante.

E não adianta procurar estes pratos fora da Espanha. Outro dia, aqui em São Paulo, fui ao Rubayat, que se gaba de oferecer um cochinillo aos sábados. Não era nem a sombra da sombra do cochinillo do Sobrino de Botín. Pelo tamanho do pernil, seria um leitãozinho senil, talvez com três ou mais meses de idade. E o Rubayat não tem o forno do Sobrino de Botín.

Sem falar que adoro ouvir espanhol, adoro falar espanhol e me sinto muito mais em casa falando espanhol do que falando português. E adoro o flamenco, sevillanas e cante hondo. Em suma, vejo a Espanha como um misto de cores e sons, sabores e odores, alegria e canção. Recomendo vivamente.

Em segundo lugar, colocaria Paris. Quando sonhava em bater pernas pelo planetinha, Paris sequer constava de meus projetos. Porque não constava, não sei. Mas Paris, em meus dias de guri, não me fascinava. A idéia que eu fazia da cidade era a de uma capital cheia de chaminés e túneis, herança das leituras dos Mistérios de Paris, de Eugéne Sue, dos três mosqueteiros e de mais alguns romances de capa-e-espada.

Conto mais adiante.