¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 25, 2008
 
454


São Paulo afirma ter completado hoje 454 anos de idade. Claro que isto é piada. Ninguém sabe quando uma cidade começa a nascer. Mas vá lá. A cada suposto aniversário, os jornais locais fazem um cocoricó ufanista, entrevistando personalidades que são personalidades só porque a imprensa diz que são personalidades. Todos eles, é claro, dizem amar São Paulo.

A imprensa paulistana, em geral crítica às mazelas da cidade, neste dia oferece uma trégua. São Paulo se torna toda virtudes. Ora, não é bem assim. São Paulo é um dos maiores monstrengos urbanos do mundo. Caótica, desorganizada, feia, a cidade é extremamente desconfortável para os que a habitam. 55% de seus moradores, segundo o Estadão, sairiam da capital para viver em outra cidade. Mas não saem.

Eu também não. Ora, perguntareis, se acho a cidade caótica, desorganizada e feia, por que vivo aqui? Já disse porquê. A partir de certo momento, tomei uma atitude mental. Eu não vivo em São Paulo. Vivo em meu bairro, Higienópolis. Mais ou menos como se eu vivesse num espaço como Dom Pedrito. As demais extensões da cidade são para mim como viagens ao exterior. Se for para ir longe, vou a Cumbica.

Dom Pedrito, com algumas diferenças relevantes. Aqui perto de casa, em uma ruelazinha de uns duzentos metros, tenho um dez restaurantes de cinco ou seis distintas culinárias. Daqui a um século, Dom Pedrito não chegará lá. Defendo a tese de que determinadas cidades se situam em eixos de civilização. Outras não. Ai daquelas que ficam fora. A cidade pequena, poetava Kavafis, olha e passa.

Declara hoje, no Estadão, José de Souza Martins, professor de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP: “Uma parcela grande da população da cidade vive nesta situação de acoplamento, está aqui pelo trabalho. Esse morador não excursiona por São Paulo, só conhece seu próprio bairro. É preciso ter políticas públicas apropriadas para criar essa relação e melhorar a percepção dos moradores”.

Linguajar safado de profetas. Não se precisa política pública apropriada para criar relação nenhuma nem melhorar percepção alguma de moradores. O que se precisa é bom transporte. O sistema de transporte público é vergonhoso nesta cidade que se pretende a maior metrópole do continente e o transporte privado disto se ressente. Ir de um bairro a outro pode levar mais de hora. Se algum brasileiro tem memória, deve lembrar quando chamávamos os argentinos de macaquitos, porque estariam imitando imitando os ingleses ao instaurar o metrô. Hoje, em pleno século XXI, Buenos Aires dispõe de uma excelente rede de metrô e São Paulo de uma rede irrisória de transporte, que nem de longe atende as necessidades de uma metrópole. Tomar um ônibus em São Paulo exige boa dose de masoquismo.

Difícil amar São Paulo, como pretendem os jornais. Quanto a gostar do bairro, se o bairro é bom, é admissível. É meu caso. Decidi que moro em Higienópolis e não abro. Já o ufanismo da imprensa que, curiosamente, só se manifesta nesta data, me parece absolutamente ridículo.