¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sexta-feira, janeiro 25, 2008
 
APROPRIAÇÕES INDÉBITAS


De Denise Bottman, recebo:

sr. janer, passo-lhe uma exposição mais detalhada do assunto:

talvez o sr. tenha tomado conhecimento pela imprensa de um certo início de movimentação entre tradutores contra a apropriação indébita de traduções muito consagradas, feitas por grandes intelectuais brasileiros e portugueses, de grandes obras da literatura universal.

sucintamente, trata-se do seguinte:
um levantamento inicial mostra que mais ou menos 30 obras da grande literatura universal, que haviam sido publicadas na coleção da abril cultural, foram reeditadas pela editora nova cultural com a substituição dos nomes dos tradutores originais, aparecendo em lugar deles ou nomes de fantasia ou nomes de gente de carne e osso. essa quantidade de obras corresponde a mais de 65% dos títulos traduzidos da coleção "obras-primas" da ed. nova cultural, e portanto parece indicar que não se trata de casos isolados, e sim de uma prática deliberada e sistemática adotada pela referida editora.

o que parece se configurar, portanto, é que a editora de maior visibilidade no país (que muitas pessoas ainda associam à editora abril e à extinta abril cultural) tomou para si um patrimônio tradutório do país (pois nossa formação cultural, num país que depende tremendamente do acervo de obras traduzidas para o português, se constrói também e maciçamente sobre essa atividade - basta ver o caso de suas traduções de t.s.eliot, que tantas gerações influenciou e continua a influenciar no brasil!) e, por razões ignoradas, mas com certeza escusas e que não vêm agora ao caso, eliminou, suprimiu, enterrou e está contribuindo ativamente para o esquecimento da contribuição desses intelectuais da primeira metade do século passado à constituição de um acervo das grandes obras mundiais em tradução para o português. assim temos que oscar mendes, octavio mendes cajado, mario quintana, ligia junqueira, hernâni donato (este ainda entre nós), silvio meira, brenno silveira foram eliminados, suprimidos, tirados fora, aniquilados, exterminados, dos créditos de tradução.
pelo andar da carruagem, dentro em breve rachel de queiroz, carlos drummond, cecília meirelles, manoel bandeira também serão banidos dos créditos das traduções... mesmo que isso não ocorra, de qualquer forma o sumiço já perpetrado é mais do que suficiente para despertar uma imensa indignação entre quem preza a parca tradição cultural deste país, construída tão a duras penas.

o fato é tanto mais grave porque, aqui, não são práticas avulsas, motivadas por questões financeiras, de pequenas editoras desacreditadas, como a martin claret, e sim partem de uma empresa de grande porte com suposta credibilidade acumulada ao longo de décadas junto ao público leitor brasileiro.

assim, a meu ver, seria da máxima e mais premente importância que a nova cultural devolvesse o que é de direito a quem é de direito, ou seja, no mínimo publicasse uma espécie de errata pública nos principais meios de comunicação do país (nem seria o caso de tentar se justificar ou se penitenciar), apresentando os devidos créditos de tradução desses grandes clássicos e assim restituindo a verdade.

além de restituir a verdade, num gesto de decência básica e fundamental, uma atitude pública da nova cultural, no sentido acima exposto, certamente ajudaria a coibir a continuidade dessa prática inominável e permitiria que a história e memória da tradução literária neste país deixasse de ser tão brutalmente adulterada.

por isso dirigimo-nos ao sr., para pedir apoio a esse protesto. o sr. poderá ver outros elementos em nosso blog, http://assinado-tradutores.blogspot.com


atenciosamente,

denise bottmann


É uma preocupação válida, Denise. Seria no entanto interessante também pesquisarmos a fundo essa prática inominável para sabermos quais são as qualificações de Rachel de Queiroz em sueco, para traduzir Verner von Heidenstam, ou em russo para traduzir Dostoievski. Onde Drummond de Andrade estudou norueguês para traduzir Knut Hamsun? Desde quando Cecília Meirelles conhecia suficientemente bengali para traduzir Rabindranath Tagore? Onde Manoel Bandeira estudou persa para traduzir Omar Khayyam?