¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, fevereiro 26, 2008
 
BRASILEIRO E PANACA



Veja é uma revista curiosa. Tem excelentes reportagens e ao mesmo tempo abriga cronistas medíocres. Já nem falo do recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo, que nesta última edição assina um artigo estúpido, onde afirma que as origens do PT estariam na Cuba de Castro. Pelo jeito, desconhece a história do século passado. As origens do PT não estão em Cuba, mas em 1917. Como também os últimos dez lustros de Cuba.

Mas o artigo besta mesmo desta vez é outro. É o de Stephen Kanitz. Há muito eu desconfiava de seus artigos. São reflexões inconclusivas, sempre em cima do muro, que não conduzem a lugar nenhum. No artigo desta semana, “O suplício das malas”, o homem se exibiu em toda sua miséria. Apesar de suas pretensões de cosmopolita, revelou-se um brasileiro atroz.

Quando estou em um aeroporto, em qualquer lugar do mundo, e vejo alguém com quatro ou cinco malas imensas em um carrinho, tento me aproximar dele só para comprovar uma tese: só pode ser brasileiro. Jamais errei. O panaca sempre é brasileiro. Até pode ser que sejam de outras nacionalidades. Tem muito árabe que faz isso. Mas os que sempre vi, de modo geral, são gente nossa.

Escreve o provinciano cronista:

“Depois de doze horas viajando num avião a 12 000 metros de altura, seu corpo está cansado, sua cabeça está zonza, devido ao fuso horário, e seus reflexos diminuem. Seu corpo está ligeiramente inchado, reduzindo sua força, medida por centímetros cúbicos de massa muscular. Provavelmente, você está ligeiramente desidratado, o que limita sua capacidade na troca de calor. Daqui a alguns minutos, quatro malas virão em sua direção a 10 quilômetros por hora, e você terá cinco décimos de segundo para capturar suas alças e com um forte solavanco levantar de 25 a 32 quilos no ar, numa espetacular explosão de energia, e, finalmente, colocar as malas, uma a uma, a seu lado. Só que, na maioria das vezes, você erra na coordenação motora e só consegue capturar a bendita alça quando a mala já está fugindo de você, na direção contrária. Isso significa 20 quilômetros por hora de diferença. Ao todo, você despenderá 1 280 joules de energia em menos de um minuto”.

Kanitz transcreve as preocupações de um cirurgião, Antonio Luiz Macedo, que considera que a vida sedentária dos aposentados está aumentando assustadoramente o número de lesões internas devido a esses heróicos atos de bravura. Dias depois surgem os primeiros sinais de hérnias inguinais, dores musculares, luxações, microrrompimento de tendões, que passam despercebidos e muitas vezes terminarão em cirurgias.

Atos de bravura? De estupidez, diria eu. Eventuais leitores que assim viajam que me desculpem. Quatro malas de 25 quilos significa cem quilos. Quatro malas de 32 quilos quer dizer 128 quilos. Ora, quem viaja com tal volume, ou é sacoleiro ou é idiota. O sacoleiro até que entendo, ele está tratando de sua subsistência. O outro, bem que merece uma hérnia.

Em minhas viagens, levo no máximo oito quilos. Um jeans na mala, outro no corpo. Mais quatro ou cinco camisas, cuecas e meias, e não vejo porque levar mais que isso. Nos invernos, o casaco levo no corpo. Sapatos, apenas um par, os que estou usando. Ok! Admitamos que alguém queira se vestir melhor durante a viagem. Mas quatro malas de 25 quilos é loucura. Quem assim viaja não é pessoa inteligente.

“Não são as companhias aéreas as culpadas pelas esteiras – escreve o cronista caipira -. São os aeroportos, que estão economizando e destruindo ainda mais o turismo receptivo deste país, hoje dominado por aposentados do mundo inteiro, sem mordomos nem ajudantes de bordo para auxiliá-los. Se o Brasil quiser fazer bonito na área de turismo e hospitalidade, se quiser receber os turistas aposentados do mundo, cheios da grana, mas sem energia, vamos ter de humanizar os aeroportos na chegada e na saída, lembrando que mala de 32 quilos não é para qualquer um levantar”.

Ora, em boa parte deste nosso mundinho, não há mais mordomos nem ajudantes de bordo para auxiliar este tipo de gente. Isso de 32 quilos é coisa de brasileiro panaca. O arguto cronista revelou-se um deles.