¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, fevereiro 12, 2008
 
IN MEMORIAM DE AOLÁ E AOLIBÁ



Prostituição é sempre tema delicado. Mesmo as culturas que não a admitem encontram uma forma de assimilá-la. A prostituição é proibida no Irã, por exemplo. Mas existe o sigheh, o casamento por uma hora. Ou mais horas, ou dias ou mesmo semanas, conforme as conveniências do macho muçulmano. Se você pronunciar uma fórmula ritual, pode usufruir dos encantos da bela e depois mandá-la embora, sem que com isso tenha exercido a prostituição.

Já está no Gênesis. Quando houve fome em Canaã, Abraão e todo o seu acampamento foram para o Egito. Dada a beleza de Sara, sua mulher, faraó por ela apaixonou-se. O patriarca, muito pragmático, considerou: “Ora, bem sei que és mulher formosa à vista. E será que, quando os egípcios te virem, dirão: esta é sua mulher? E matar-me-ão a mim, e a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa, e que viva a minha alma por amor de ti".

Faraó leva a “irmã” para seu palácio e passa a favorecer Abraão. Salvo engano, a prostituição deve ter nascido nestes dias. Mais adiante, lemos em Ezequiel que as irmãs Aolá e Aolibá, que simbolizavam respectivamente os reinos do norte e do sul, ambas eram prostitutas. Aolá inflamou-se por seus amantes – diz-nos William Graham Cole, em Sex and Love in the Bible – pelos assírios, seus vizinhos, que se vestiam de azul, governadores e sátrapas, todos jovens de cobiçar, cavaleiros montados a cavalo. Assim cometeu ela as suas devassidões com eles, que eram todos a fina flor da Assíria e com todos aqueles pelos quais se inflamava; com todos seus ídolos se contaminou. As suas impudicícias, que trouxe do Egito, não as deixou; porque com ela se deitaram na sua mocidade, e eles apalparam os seios da sua virgindade, e derramaram sobre ela a sua impudicícia.

Com Aolibá foi pior – conta-nos o autor. Não lhe aproveitou o exemplo do castigo da irmã. Não apenas se inflamou pelos de cobiçar da Assíria, mas também se enamorou dos babilônios, cujos retratos viu pintados nas paredes. “Mandou-lhes mensageiros à Caldéia. Então vieram ter com ela os filhos da Babilônia para o leito dos amores e a contaminaram com suas impudicícias”. Em seus dias de mocidade, ela também se prostituíra na terra do Egito e “inflamou-se pelos seus amantes, cujos membros eram como o de um jumento e cujo fluxo é como o fluxo de cavalos. Assim trouxeste à memória a luxúria da tua mocidade, quando os do Egito apalpavam teus seios, os peitos de tua mocidade”.

Isso sem falar nas prostitutas cultuais (kedeshoth), mulheres sagradas com as quais os sacerdotes mantinham relações como parte de um rito da fertilidade. Em Miquéias, lemos que todas as imagens e ídolos foram pagos pelo “preço da prostituição”, o que indica que algo era cobrado aos homens que procuravam essas mulheres.

Judá possuiu Tamar, imaginando que ela fosse uma prostituta. Raabe, a prostituta de Jericó, foi respeitada e louvada. Jefté, o juiz de Israel, era filho de uma prostituta. Isso sem falar em Rute e Betsabé. E por aí vai. Longa é a crônica das profissionais, no livro antigo e no novo. Um tema historicamente delicado, pois.

A prostituta é o nó górdio da cultura ocidental. O assunto, de modo geral, é tratado com hipocrisia. Em meus dias de Suécia – anos 70 – a prostituta parecia ter adquirido uma certa dignidade como ator social. Elas eram vistas quase como assistentes sociais. Hoje, se você procurar uma profissional na Suécia, você vai em cana. Ela, não. Mas de que vai vier uma prostituta senão da paga de seus clientes?

Leio que o governo britânico estuda a possibilidade de bloquear os números telefônicos das prostitutas que anunciam nos jornais, em uma tentativa de acabar com este negócio. O plano faz parte de um estudo interministerial que também contempla medida semelhante à que atualmente é adotada na Suécia: considerar crime o pagamento por serviços sexuais.

A idéia é de jericos britânicos. Como saber que um pagamento é feito por serviços sexuais? A profissional dá recibo? Pode até aceitar cheque ou cartão de crédito, mas como determinar juridicamente a natureza da mercadoria vendida? Se recebe benefícios, como vestidos, jóias, viagens, apartamento montado, como determinar se estas mordomias constituem pagamento a serviços sexuais? Os britânicos parecem estar tomando medidas semelhantes à do velho bolchevique Tarso Genro, que pretende proibir a venda de cerveja nas rodovias. Ou medidas semelhantes às propostas pela Igreja Católica, que pretende proibir o aborto em um país onde o aborto é prática costumeira, inclusive por boa parte dos católicos.

Segundo Vera Baird, fiscal geral – o que quer que isto queira dizer – é fundamental acabar com os serviços das call girls, como são chamadas as meninas localizadas por telefone. Que vai acontecer? As prostitutas serão empurradas à clandestinidade, ou a oferecer seus serviços na rua. Ora, “é dez vezes mais perigoso trabalhar na rua que em um apartamento”, diz Cari Mitchell, do Coletivo Inglês de Prostitutas. Ou seja, o Estado admite um sindicato de prostitutas, mas quer proibir que as mesmas anunciem em jornais. Na Suécia, passou a viger a mesma hipocrisia. As companhias telefônicas cortam as linhas dos bordéis e prostitutas quando estas são descobertas.

Ora, prostituição é atividade nem sempre fácil de ser caracterizada. Se é viável capitular como crime sua exploração, é muito difícil considerar crime seu exercício. Por que não pode uma mulher vender suas carícias? Qual a diferença entre uma massagista e uma profissional do sexo? Ambas vendem prazeres sensuais. Uma lhe proporciona carinhos de superfície, a outra carinhos mais profundos. Se estou fazendo uma massagem e a moça quer ir mais adiante, que tem o Estado a ver com isso?

Você imaginou se a moda pega, cá abaixo do Equador? Jornais impolutos como a Folha de São Paulo e o Estadão vão perder uma receita preciosa em seus classificados.