¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, fevereiro 21, 2008
 
SE BATINA FOSSE BRONZE,
QUE BADALADAS!



Em minha juventude, fui católico. A Igreja foi buscar-me ainda no campo. Uma catequista uruguaia apanhava-me em um jipe na Linha Divisória entre Livramento e Dom Pedrito para jogar-me nas aulas de catecismo. Na cidade, fui estudar em colégio católico, dirigido por padres oblatos. A eles agradeço minha iniciação em latim, francês e inglês. E só. Para desgraça de meus catequistas, muito cedo comecei a ler a Bíblia. Como não há fé em Deus que resista a uma leitura atenta da Bíblia, minhas dúvidas começaram a inquietar os oblatos. Um sacerdote de Bagé, franzino e inquisitorial, veio às pressas para tentar trazer o herege em potencial de volta ao rebanho.

Discutimos um dia todo, com várias jarras de água e um almoço de permeio. A cada preceito de fé que eu contestava, o padre Fermino Dalcin me jogava no rosto a acusação: "Arrogância. Orgulho intelectual. Quem és tu para contestar, aqui em Dom Pedrito, o que autoridades decidiram em Roma?"

Era um argumento pesado para um piá de uns quinze anos. Eu só tinha como defesa descrer do que não conseguia entender. Mas resisti e consegui, ainda adolescente, libertar-me do deus judaico-cristão. Bem sabia a Igreja o que fazia, ao proibir a leitura do Livro a menores de trinta anos. Como cachorro que sacode o corpo para secar-se, sacudi minha alma e procurei, nos anos seguintes, livrar-me da craca ética que vinha grudada ao cadáver do deus cristão. Esta é, a meu ver, a grande função da leitura, libertar o homem de mitos e superstições.

Muitas foram as restrições que tive à fé católica. Mas o conflito inicial, sem dúvida alguma, tinha suas origens na questão sexual. Ao menor pecado contra a castidade, fossem atos solitários ou acompanhados, éramos ameaçados com o fogo do inferno. Em verdade, mesmo pensar em sexo era pecado. No confessionário, a primeira – e diria que única – pergunta era: “pecaste contra a carne, em atos ou pensamento?” Atos, com algum esforço, até que se podia evitar. Mas como evitar pensamentos?

Vivi noites e noites torturado pela idéia de uma condenação eterna. Pecava e sentia meu corpo e minha alma queimando nas labaredas que jamais se consomem. Fazia rapidamente um ato de contrição, contando que viveria até o sábado seguinte – dia de confissão – para poder redimir-me de meus pecados. Fazia o sublime propósito de não mais pecar. Ocorre que a carne não é fraca, como dizem as gentes. É forte. Tão forte que não conseguimos dominá-la. Pecava de novo e se repetia o ciclo: arrependimento, contrição, confissão, bons propósitos... e pecado de novo.

As noites de tempestade constituíam para mim um tormento. Cada raio que caía, eu sentia que era dirigido a este pecador que vos escreve. Megalomania? Até pode ser. Mas o fato é que eu, quando não estava em estado de graça, me encolhia ante a ira divina como cusco amedrontado. Tive um dia a idéia de consultar a Bíblia. Descobri que nela não existia nem mesmo a palavra castidade. Pelo contrário, havia muita orgia, prostituição e até mesmo incesto.

Foi quando abandonei minha fé. Como eu exercia alguma liderança entre meus colegas de ginásio, providenciaram a vinda do Torquemada de Bagé para trazer-me de volta ao rebanho. Autoritário e ao mesmo tempo melífluo, padre Fermino voltou de mãos abanando.

Foi quando sofri minha primeira expulsão da cidade. Expulsão discreta, nada oficial. O oblato padre Antonio Paul, diretor do ginásio, cortou-me a matrícula. Se quisesse continuar estudando, tinha de mudar de cidade. (Eu seria de novo expulso mais tarde, oficialmente, pela comunidade toda e por questões bem mais graves, mas isto é outro assunto). Como já tinha contatos com a JEC, consegui consegui matrícula no colégio Santa Maria, em Santa Maria, dirigido pelos maristas. Que pelo menos não se imiscuíam na vida sexual de ninguém.

Naqueles dias, um pouco antes de perder definitivamente a fé, militei na Juventude Estudantil Católica (JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Os religiosos que nos orientavam eram homens abertos, mas o conflito sexual persistia. Em Santa Maria, eu apertava o padre Carlos Pretto contra a parede: "Se mulher é tão bom, por que é proibido?" Pretto armava uma longa história, de final curto e grosso. Que não devíamos ter relações com uma mulher por amor a ela. “Eu estudei em Roma – dizia Pretto – no meio daquelas gringas boazudas. Eu me perguntava porque não podia ir para a cama com elas. Examinei criticamente a Bíblia e concluí que não podia fazer isso pelo amor que devia a elas”.

Nada mais fácil para um crente do que inverter uma evidência. Eu também havia lido a Bíblia e, fora as neuroses de Paulo, não via nada demais no exercício da sexualidade. Mas o Paulo era o Paulo. Eu era o Cristaldo. De minha parte, era por amá-las que as queria na cama.

Mas Pretto não era de ferro. As militantes de JEC e JUC, secundaristas e universitárias cheias de charme e desejo, fizeram um excelente trabalho de sapa. Mais adiante Pretto já ousava heresias desde "mulher e religião não se discute, se abraça" a outras do tipo "se batina fosse bronze, que badaladas!" Os sacerdotes que desceram do púlpito para falar conosco – e foram vários – sempre condenando a sexualidade, acabaram largando a batina, casando e fazendo filhos. Foi nossa revanche a longo prazo.

Nós, jecistas, éramos quase virgens em matéria de sexo. Havia o desejo, mas não sabíamos muito bem como a coisa funcionava. Nos apalpávamos nos corredores, nos beijávamos meio sem jeito, sem nem sempre chegar às vias de fato. Certa vez, uma jucista das mais árdegas apertou-me contra uma parede e foi direto ao assunto. Exclamou surpresa: “é por isso que chamam de pau?” Fico imaginando as torturas que elas impunham aos padres naquela penumbra silenciosa dos confessionários.

Um sexualidade exigente e incontrolável foi, sem dúvida alguma, o que me libertou do obscurantismo. Houve também os questionamentos de ordem intelectual, mas estes foram secundários. E é o sexo que tem afastado milhares de sacerdotes da Igreja Católica.

Leio na Folha On Line que a CNP (Comissão Nacional dos Presbíteros) deve publicar daqui a duas semanas texto intitulado "Subsídios para reflexão", no qual pede a abertura de discussões em torno da obrigatoriedade do celibato de padres na Igreja Católica. Com o fim da obrigação, os religiosos casados ou ex-casados também poderiam ser ordenados padres. Segundo o padre Francisco Santos, presidente da CNP, "o que está se propondo é que se reflita sobre novas formas de ministério, que não seja apenas o celibatário".

É uma boa idéia. Terá como conseqüência a diminuição do número de padres pedófilos. Ocorre que a Igreja submete seus ministros a um impiedoso leito de Procusto. Para a Santa Madre, o casamento de seus ministros trará uma série de problemas ainda não pensados.

Casar implica a possibilidade de divorciar-se. O padre pode até considerar o casamento indissolúvel. Mas... e se a mulher pensa diferente? Sacerdote algum poderá impedir, em nome de sua fé, uma mulher de divorciar-se. Aí surge outro problema: pagamento de pensão à mulher e filhos. O homem de Deus terá de suar um pouco mais a camiseta em função desses gastos, que um celibatário não tem.

Casar, por outro lado, neste nosso mundinho contemporâneo, é expor-se à cornificação. A menos que a Igreja admita o freio dos crimes ditos de honra – que já não são mais absolvidos pela Justiça – sempre existe a possibilidade de a mulher pular a cerca. E tais ornamentos não ficam bem na cabeça de um ministro do Senhor.

Ou seja, não vai dar pé. Mas a solução é singela. Se você gosta de sexo, faça como eu fiz. Largue essa fé.