¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 20, 2008
 
TEÓLOGOS BRIGAM DE FOICE



Um projeto que regulamenta a profissão de astrólogo já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado e até agora aguarda votação no plenário. De autoria do senador Artur da Távola, a proposta define quem poderá exercer a astrologia e as atribuições dos profissionais, entre elas, o "cálculo e elaboração de cartas astrológicas de pessoas, entidades jurídicas e nações utilizando tabelas e gráficos do movimento dos astros para satisfazer às indagações do público". O velho bolchevique também anunciou que pretendia apresentar projeto regulamentando a profissão de filósofo. Filósofo não seria mais quem filosofa, mas quem tem carteirinha de filósofo.

Agora vem o melhor. Leio no Estadão que dois projetos em tramitação no Congresso pretendem regulamentar a profissão de teólogo. Teólogo não seria mais quem cria teologia, mas quem tem carteirinha de teólogo. Pelo jeito, a profissão está se revelando lucrativa, pois os projetos pretendem restringir o livre exercício da parlapatagem. O projeto de lei 114/05, obra do bestunto do senador e bispo evangélico Marcelo Crivella, cria o Conselho Nacional de Teólogos, que seria a representação única dos teólogos do Brasil. Ou você pertence ao Conselho ou não teologiza mais. Ou se teologiza, está exercendo irregularmente a profissão. Este projeto já recebeu parecer favorável do senador Magno Malta, pastor da Igreja Batista. Enviado para a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, está pronto há um ano para entrar na pauta de votação.

O segundo projeto, o 2.407/07, do ex-deputado Victorio Galli, pastor da Assembléia de Deus, é mais bizarro. Diz que “teólogo é o profissional que realiza liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirige e administra comunidades; forma pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orienta pessoas; realiza ação social na comunidade; pesquisa a doutrina religiosa; transmite ensinamentos religiosos, pratica vida contemplativa e meditativa e preserva a tradição”. O projeto soa a samba do crioulo doido: mescla a função de sacerdotes com as de administradores de comunidades e psicanalistas. Só não prevê que o teólogo faça teologia. Nele vê-se mais uma vez o dedo dos pastores evangélicos, que querem promover a teólogos seus camelôs televisivos.

Segundo a notícia, esse perfil abrangeria todos os padres, pastores, ministros, obreiros e sacerdotes de todas as religiões. O número passaria de um milhão, pela estimativa do Conselho Federal de Teólogos (CFT), com base em dados do IBGE. Hoje teólogos devem ser formados em cursos de graduação. Ou seja, no que depender da aprovação do projeto, tanto Paulo, como Anselmo, Orígenes, Tomás de Aquino ou Agostinho, estariam hoje exercendo ilicitamente a profissão.

Em 2003, foi autorizada pelo Ministério da Educação a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU). Ora, direis, se os cristãos têm sua teologia, por que não teriam uma os cultos animistas africanos? A pergunta procede, mas tem seus percalços. O Deus cristão, além de ser um só, tem como biografia um livro dos mais antigos. Os africanos, além de serem muitos, precisam de biografias mais evidentes e bibliografia de apoio. Será necessário cavoucar muito texto do nada, para bem definir Ogun, Oxóssi, Iemanjá, Exu, pretos velhos, índios, caboclos, ciganos.
Na grade curricular constam Botânica Umbandista, Fundamentos de Psicologia Geral e Umbandista, Biologia Geral e Espiritual. Donde se conclui que deve também existir uma botânica católica, outra judia, outra luterana e assim por diante. As botânicas florescerão com o mesmo viço das profissões de fé. Idem no que diz respeito à psicologia. Mais um pouco e voltamos a 68, quando se falava em uma matemática burguesa e uma matemática revolucionária. Quanto à tal de biologia espiritual, será muito divertido ver biólogos mesurando, com seus instrumentos físicos, fenômenos inefáveis, que não podem ser medidos por instrumento algum. Sem falar que, com a nova faculdade, o sacrifício cruento de animais adquire dignidade acadêmica.

Os pastores evangélicos denunciam a umbanda, em suas maratonas televisivas, como obra do demônio. Em nome da liberdade de crença assegurada pela Constituição, o futuro e hipotético Conselho Nacional de Teólogos teria de aceitar os teólogos umbandistas. Seria muito divertido observar a convivência dos teólogos do Bem (de Deus) com os teólogos do Mal (do demônio).

A coisa começou há séculos. Quando, na Idade Média, surgiram os primeiros cursos universitários de Teologia, as portas estavam abertas para toda e qualquer especulação. Teologia é a ciência do conhecimento de Deus. Isto é, do conhecimento do que não existe. Se os europeus têm uma ciência do que não existe, porque os africanos não a teriam?

Nos bastidores, uma guerra de foice. Vasto é o mercado da fé, tão vasto quanto a ambição dos pastores. O Conselho Nacional de Teólogos, segundo o presidente do CFT, pastor Walter da Silva Filho, poderia ser o órgão que ele preside. Já o presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), Afonso Ligorio Soares e o professor Paulo Fernandes de Andrade, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) não concordam com o projeto. Muito menos pastor Jorge Leibe Pereira, da Assembléia de Deus, presidente da Ordem Federal de Teólogos Interdenominacionais do Brasil (Otib). Para o pastor Leibe, “há nos bastidores uma tentativa de forçar, após a aprovação do projeto, a aceitação pelo governo do CFT como órgão competente para registro da profissão de teólogo”. Tanto a Otib como o CFT e a FTU cobram taxas pela expedição de registro de diplomas e certificados.

A profissão parece ser promissora. Tão promissora quanto a destes outros vigaristas, os psicanalistas. Que pelo menos estão de acordo que é melhor não regulamentar a profissão, tantas são as escolas da psicanálise. É claro que a proposta dos pastores vai dar em nada.

Se Deus é um só, seus porta-vozes são legião.