¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 14, 2008
 
CLASSE MÉDIA SE PROTEGE



Comentando a affaire Isabella, sábado passado eu afirmava que pais matando filho é algo bastante normal. Principalmente entre índios, onde até mesmo a Funai considera que se trata de uma condição cultural e é portanto perfeitamente admissível. Os bugrinhos podem ser afogados, enforcados ou enterrados vivos. O que não se admite é que uma menina branca, bonitinha e sorridente, seja assassinada por dois pais de classe média. Isto mexe com medos interiores.

Bom, no Estadão de ontem, leio oportuna reportagem sobre outros casos de crianças mortas que seguem sem solução. Outros pais que perderam os filhos se queixam da lentidão nas investigações, falta de laudos e descaso da polícia. Estes pais não se conformam. Enquanto o caso Isabella mobiliza a polícia de São Paulo há 15 dias, mães de outras crianças assassinadas reclamam que os crimes cometidos contra seus filhos não têm o mesmo tratamento, ou seja, que os policiais trabalham com lentidão. Afirmam ainda que a perícia foi feita no máximo uma vez - no caso de Isabella já foram sete - e que os laudos científicos se arrastam por meses até ficarem prontos. Para os pais, o motivo da diferença é que a família de Isabella é de classe média.

Foi o que afirmei na crônica anterior. Além de serem os pais de classe média, o crime ocorreu em São Paulo. São Paulo é um grande tambor. Ocorresse o crime em Cacimbinhas ou Tucunduva, é claro que não comoveria ninguém. Como não comove ninguém o assassinato sistemático de crianças índias indesejadas pelos pais.

Por falar em Tucunduva, a delegada Cintia Tucunduva, do Grupo Especial de Crimes contra Crianças e Adolescentes, diz que não é bem assim. A delegada nega tratamento diferenciado nas investigações por causa do poder aquisitivo. “Tanto é que a maioria das pessoas que atendemos é humilde”, justifica. Neste ano, a delegacia investigou 38 casos. Em 16 deles, os culpados foram presos.

Ou seja, 22 casos permaneceram sem solução. Uma mãe reclama que o assassinato de sua filha, ocorrido há sete anos, continua sem solução. “Se minha filha tivesse outra posição social, a morte teria sido esclarecida. Tenho certeza disso porque sempre fui maltratada quando busquei respostas na polícia”, diz Francisca Rosemeire Gomes, de 42 anos, mãe de Priscila, assassinada aos 15.

Francisca tem em parte razão. Mas apenas em parte. O que está em jogo não é apenas sua condição social. Mas o fato de a imprensa privilegiar certos crimes. Menina linda, charmosa e bonitinha comove mais a opinião pública do que uma outra menina sem tais atributos. Os jornais se acirram na divulgação do crime. A opinião pública se excita. A polícia sente-se obrigada a dar uma resposta à opinião pública.

O assassinato de Isabella será logo esclarecido. É crime de fácil solução. O espantoso é ver-se, cá e lá, pessoas tomando posições em defesa dos óbvios assassinos. E tem mais: uma vez esclarecido o crime, se verá que há mais pessoas implicadas além dos dois criminosos. Uma conspiração foi montada para acobertar dois celerados.

A classe média é unida e se protege.