¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 17, 2008
 
MAGNÍFICOS NA BERLINDA



"Eu me equivoquei. Achava que era como uma diária, um dinheiro que você bota no bolso e não tem de explicar. Errei por falta de informação”. Esta foi a esfarrapada justificativa dada aos jornais pelo reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, 62, que usou R$ 12 mil do cartão corporativo em compras pessoais no exterior.

Segundo a Folha de São Paulo, de 2006 até janeiro de 2008, ele gastou R$ 84,8 mil do cartão. Durante a Copa do Mundo de 2006, foram R$ 2.473 em lojas da Nike e da Adidas na Alemanha. Na Espanha, comprou R$ 1.411 em cerâmicas. Nos EUA, mais R$ 5.084 em produtos eletrônicos. E na China, outros R$ 2.035 em malas.

O reitor faz uma importante correção ao sórdido noticiário que a imprensa vem veiculando. "Falam que comprei malas nos Estados Unidos. Não foi. Foi na China. E comprei porque as minhas arrebentaram em Hong Kong. E esse [R$ 2.035] é o preço da Samsonite."

As denúncias de corrupção estão invadindo o Santo dos Santos, comentei outro dia. Desde há décadas, a imprensa tem denunciado corrupção no Congresso, no Executivo e no Judiciário, nos governos de Estado, nas prefeituras, no sistema bancário, em cooperativas. Só a universidade pública permanecia incólume. O piparote inicial começou com Timothy Mulholland, reitor da Universidade de Brasília, que gastou R$ 470 mil para mobiliar seu apartamento funcional e mais R$ 70 mil em um carro de luxo. Isso sem falar em um singelo saca-rolhas de 849 reais e três modestas cestinhas de lixo a mil reais cada. Ora, direis, um Magnífico Reitor deveria ter direito a magníficos saca-rolhas e magníficas cestinhas de lixo.

Neste nosso país incrível, quando se descobre um resquício de corrupção, basta cavoucar um pouco mais para se descobrir que a prática é generalizada. Ingênuo é quem acha que apenas dois reitores se julgaram no direito de embolsar dinheiro público para financiar luxos pessoais. “Não é que eu me arrependa – diz Fagundes Neto – é que eu não fiz por má-fé. As regras não eram claras, principalmente em 2006. O ano foi muito confuso".

Se não fez por má-fé, então tudo bem. Para Fagundes Neto, este fator o absolve. Diz ter devolvido os 84,8 mil reais aos cofres públicos e estamos conversados. O Magnífico não vê sentido nenhum em punição, afinal já está sofrendo uma punição moral. E parece estar pretendendo criar uma nova figura jurídica, o roubo sem má-fé.

Fagundes Neto está profundamente magoado. Teve de dar explicações até para a mamãe. “Isso está maculando minha vida pessoal, não a minha vida acadêmica. O que tem acontecido é que, em minhas relações, tenho de dar satisfações. As pessoas me cobram, às vezes, até de forma irônica. E tive de falar para a minha mãe, uma coisa difícil".

De fato, não deve ser fácil explicar a uma pobre mãe o gasto de 84,8 mil reais em vilegiaturas pela Alemanha, Espanha, Estados Unidos e China.

Em meus dias de Paris, cansei de ver esta farra. Reitores e vice-reitores comendo e bebendo à tripa forra, às custas do contribuinte. Sim, sempre havia um vago pretexto acadêmico, a visita a uma universidade, o acordo com alguma instituição de pesquisa, a participação em algum congresso. Isso sem falar nas centenas de professores que vão a Paris ou Londres para estudar a obra de Machado de Assis ou Nelson Rodrigues. Por quatro ou mais anos, permanecem às margens do Sena ou do Tamisa redigindo calhamaços que ninguém vai ler, nem mesmo a banca que os avaliza. Li há algum que já há um problema de espaço físico para o armazenamento dessas teses no Brasil. A meu ver, deveriam ser exportadas para a Holanda. Para a construção de diques.

Muitos destes professores são acadêmicos em idade já provecta que, uma vez obtido o título de doutor – quando o obtêm – rumarão direto à aposentadoria. O doutorado deixa então de ser um instrumento de aprendizado e ensino, para constituir uma espécie de prêmio a um geronte.

A corrupção no mundo acadêmico é muito mais generalizada do que nossa vã filosofia imagina. Os dois reitores pegos em flagrante são apenas um tiquinho da ponta do iceberg. Os jornalistas, sempre tão árdegos em denunciar políticos, bem que podiam assestar suas penas contra as universidades.

Enfim, antes pouco do que nada. Dois Magníficos na berlinda já é notícia estimulante. Basta agora seguir a trilha. Afinal, ninguém é suficientemente crédulo para imaginar que os milhares de Magníficos do país usem seus cartões corporativos apenas para gastos inerentes ao ofício.